sábado, 1 de junho de 2013

MAIO/2013: "POESIA NÃO PEDE LICENÇA, NEM LICENCIAMENTO, NEM LICENCIATURA, SÓ LICENCIOSIDADE"

Trez são as razões pelas quaes adopto a orthographia etymologica (que
chamo de "etymographia" ou de "eugraphia") em logar da graphia phonetica
(que chamo de "dysmorphographia" ou de "cacographia") e das quaes não me
canso de fallar:

Primeiro, por ser a mais correcta, por signal practicada pelos francezes
e inglezes, a quem nos junctavamos antes da decada de 1940, oppondo-nos
aos italianos e hespanhoes, que ja practicavam o phoneticismo
orthographico desde os primordios novilatinos e não reformaram nada da
noite para o dia.

Segundo, por ser mais bonita aos meus olhos, quer emquanto enxerguei
(desde a decada de 1970, quando me bacharelei em bibliotheconomia e
comecei a fazer poesia no zine anarcholitterario JORNAL DOBRABIL), quer
depois de perder a visão (quando voltei ao soneto de mala e cuya), mais
bonita, dizia eu, graças a seus charmosissimos digrammas de "H"
hellenico ("PH", "RH", "TH"), seus eleganterrimos graphemas em "Y" e
suas chiquerrimas consoantes latinas geminadas, superlativos informaes
aos quaes accrescento o classico "facillimo" por não achar
"difficillimo" escrever correctamente quando nos habituamos a ler
attentamente.

Terceiro, por ter sido successivamente reformada de maneira artificial e
dictatorial, em periodos fascistoides de nossa historia (1943 e 1971),
sendo, portanto, inadmissivel que o ultimo "accordo" se torne
obrigatorio por imposição legal num governo suppostamente democratico
como o actual regimen.

Obvio é que, si não formos ingenuos, todos sabemos do interesse
commercial por traz duma obrigatoriedade que torna subitamente obsoletos
todos os diccionarios e livros didacticos, compulsoriamente reeditados e
revendidos por capitalistas gananciosos, recomprados por alumnos e
professores indefesos e reescriptos por opportunistas entre os quaes se
encontram alguns dos proprios academicos que machinaram
machiavellicamente o tal "accordo". Mas isso é cediço e peor que isso é
ser mãe de ouriço. Fiquemos nos planos theorico e practico da escripta,
officio de quem, como eu, exercita a litteratura.

Quero abordar, agora, um poncto que me toca particularmente e me
incommoda mais que outras arbitrariedades da dysmorphographia. Refiro-me
ao trema e às maiusculas quando se tracta de poesia. Sim, pois o tal
"accordo", não bastasse tyrannizar sobre quem escreve em prosa, tem a
petulancia de cagar regra sobre quem cria poesia, vejam só!

Ao contrario de topicos que nossos immortaes assassinos nos concedem
considerarmos "facultativos", o trema estaria, segundo elles,
inappellavelmente abolido, prohibido até na poesia, caso em que indica
uma dierese (hiato forçado) na metrificação, como em "saüdade", que,
quando leva trema no "U", deixa de ser trisyllabo para ser tetra,
pronunciando-se "sa-u-da-de". Ja imaginaram? Era só o que faltava, um
Bilac ou um Drummond tendo que pedir licença poetica a um Houaiss ou um
Bechara e levando um não pelas fuças! Pessoalmente o trema nem me
affecta, pois a etymographia prescinde delle para avisar que "linguiça"
não se pronuncia como "preguiça" nem "tranquillo" como "aquillo", ja
disse e repito. Mas não abro mão do direito de usar trema num poema si
me der na telha, ora!

Quanto às maiusculas, os assassinos academicos as exigem, entre outras
obrigatoriedades, como iniciaes de versos, calculem vocês a intromissão!
Bilac poderia achar isso normal, mas Drummond não. Imaginem então um
Allen Ginsberg ou um Augusto de Campos tendo que pedir permissão a um
Sarney ou a um Napoleão (Mendes de Almeida, digo) para usar só
minusculas e levando um curto e grosso não! Tinha graça!

Para illustrar mais este inquerito, digno duma Commissão da Verdade
Litteraria, transcrevo um poema em que minusculizei tudo de proposito,
composto na phase em que enxergava, e o soneto em que converti o
argumento, mantida a minusculização. Até o proximo inquerito contra a
Inquisição!

QUEM DIABO É DEUS? [poema de 1977]

deus não é a antimateria
deus não é o antichristo
deus não é o chaos
deus não é o kosmo
não é um campo magnetico
não é um corpo magnifico
não é a voz do povo
não é a paz do papa
deus não é um sapo horrendo
do lodo do brejo nojento
nem o excremento fedorento
mas podia ser
si não fosse aquelle garoto
que me deflora a bocca
e me degusta a sola
quando trepa commigo

QUEM DIABO É DEUS? [soneto de 1999]

é deus antimateria? não. tambem
não é deus antichristo. não é chaos
nem kosmo. é deus magnifico entre os maus?
magnetico entre os bellos? deus é quem?

do povo a voz? do papa a paz? alguem
tem delle nojo ou odio? quaes os graus
possiveis que mensuram alguns paus
divinos e alguns cus terrenos? hem?

podia ser deus tudo, ser podia
sapão no seu brejinho ou ser sapinho,
então, no seu brejão, por um só dia.

quizesse, e deus seria. mas, mesquinho,
prefere nem siquer ser quem me enfia
na cara o pé, na bocca o pau: neguinho.

Pelo YOUTUBE eu appareço declamando este soneto no canal
www.youtube.com/user/gatinhocachorro
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Um comentário:

  1. Vida longa ao blog! É sempre bom aprender com o mestre Mattoso.

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