sábado, 7 de dezembro de 2013

DEZEMBRO/2013: CALIBRANDO O "RETROMETRO"


Meu attento leitor, que por email se assigna "Cavallo Doudo" ou
"Doudivanas Retardado", questiona-me accerca de "dous themas": si
escrevo PERGUNTAR ou PREGUNTAR (do latim PRAECUNTARE ou de PERCONTARE)
e, si escrevo LOGAR em vez de "lugar", por que acceito ALUGAR, si o
etymo latino é o mesmo LOCALIS/LOCARE em ambos os casos.

Preliminarmente, observo que elle adopta as formas "cousa", "doudo" ou
"dous" sempre com "U", mas tal uso (assim como a inversa tendencia em
"oiro", "doirado" ou "toicinho") não tem relação com graphias reformadas
ou não, tractando-se de mero costume daquem ou dalem Atlantico. Ja
formas como "palabra" ou "libro" (que elle emprega insistentemente)
seriam opções archaizantes demais e soariam como hespanholismos em vez
de latinismos. Por isso não as endosso.

O importante, meu hippico e agalopado amigo, é que tenhamos em vista o
character consuetudinario e, tanto quanto possivel, corrente do idioma
escripto. Assim, si coexistem o latim vulgar PRAECUNTARE e o classico
PERCONTARE, tanto quanto coexistem o portuguez popular/regional
PREGUNTAR e o erudito PERGUNTAR, valem ambas as formas, cada qual no seu
contexto, colloquial ou litterario, respectivamente. Obvio que, num
texto formal, uso PERGUNTAR e, num discurso dialectal, admitto
PREGUNTAR. Em summa, não são formas excludentes.

Quanto a LOGAR e ALUGAR, pauto-me pelo uso prequarentista: era LOGAR
antes da reforma phonetica e, como ha o verbo ALOCAR com differente
sentido, parece-me preferivel não rigorizar uma forma como "allogar" (do
latim ALLOCARE), que geraria confusão e collidiria com o ja consagrado
substantivo ALUGUEL. Mantenho, pois, o substantivo LOGAR (coherente com
LOCAL) e o verbo ALUGAR (coexistindo com SUBLOCAR e com LOCATARIO),
conforme a praxe vigente na phase etymologica.

Não se tracta de procedimento incommum, aliaz, pois frequentemente
occorrem casos de coexistencia entre formas complexas e simplificadas,
como, ao lado das graphias SIGNO e ASSIGNATURA, as graphias ENSINO e
SINA. O que não posso acceitar é a phonetização forçada que reduziu
artificialmente as graphias de SIGNAL para "sinal" ou de ASSIGNATURA
para "assinatura". Não importa si o "G" soa ou não na pronuncia. Importa
a tradição escripta.

Apenas quando necessario eu forço, na direcção inversa, uma
etymologização, como em SANCTO ou EXGOTTAR, pois nesses casos a matriz
latina é inequivoca e independe de variantes cognatas. Como procedimento
padrão, considero que devemos recuar, na medida sufficiente, até phases
bem remotas, para a fixação da forma historica mais complexa (como em
HONTEM ou CONTEHUDO) e de etymologismos mais rigorosos (como em EXEMPTO
ou EXCAPPAR), mas, simultaneamente, temos que avançar quanto possivel
até formas mais contemporaneas do fallar actual (como em CYBERESPAÇO,
ECOSYSTEMA ou ULTRASONOGRAPHIA [de SOM]), desde que a contemporaneidade
não implique na simplificação pretendida pelos phoneticistas (como em
"sonoterapia" ou "nanotecnologia", cuja forma correcta é SOMNOTHERAPIA
[de SOMNO] e NANNOTECHNOLOGIA, respectivamente). Por isso não vejo
necessidade de desabbreviar formas compactas como VOCÊ (de "Vossa Mercê"
ou "vosmecê") ou de usar apostropho em DISTO ou NAQUILLO. Apenas por
precaução uso apostropho em P'RA ou M'O (me+o), pois algum revisor pode
ficar temptado a "corrigir" P'RA para "para" ou M'O para "me",
prejudicando a metrica dum verso ou o sentido duma phrase como "Estou
puto p'ra caralho" (redondilha maior) ou "Para ser escravo, elle m'o
vendeu" (opposto de "elle me vendeu"). Em taes casos, o apostropho
previne pés quebrados e amphibologias.

Duvidas, velhas e novas, sempre surgirão. Deter-nos-emos nellas assim
que o Doudivanas e o Doidivanas m'as encaminharem. Até a proxima!

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4 comentários:

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  2. OLá, Glauco! Sou Ualace Batista(echos doudivaneados/ doudivanas retardado/ cavallo doudo). Bom ter lido suas considerações sobre o preguntar/perguntar e logar/lugar. Sua deducção acerca de minha localização em Portugal é evidentemente lógica, uma vez que uso intencionalmente costumes escriptos invertidos - poisada em vez de pousada; loiça em vez de louça; arcaboiço em vez de arcabouço; duradoiro em vez de duradouro; doudo em vez de doido -, mas resido no Brasil e na cidade do Salvador/Bahia.

    Ainda, nobre Glauco, sobre a sua assertiva de perennizador da escripta clássica portuguesa, algo mui claro em seus textos, decerto, como vosmecê vê as questões dos estrangeirismos? Sua assertiva traz à balha, para mim, esse questionamento. Tenho estado a ler seu abastoso e vigoroso diccionário e, nepse sentido e à guisa de exemplo, cito quatro palabras promptamente: almanach, azimuth, chic e bonnet. NO seu diccionário grapha-se: almanach, azimuth, chic/chique e bonné; o diccionário do Caldas aulete usa APENAS as graphias estrangeiras(almanach, azimuth, chic e bonnet); por um outro lado, o diccionário do Silva Bastos, de 1928, usa o almanach/almanak/almanaque, e chique/boné/azimute. Ou seja, o seu diccionário de facto vive o que vancê apregoa, i.e., tentar manter ao máximo intacta a escripta clássica portuguesa inicial; apesar de bonnet, palabra francesa, ser graphada exactamente assim em Caldas Aulete e, no seu causo, houve um intelligente aportuguesamento para bonné( eu também grapho assim e opto d'essa forma e não a forma do Silva Bastos, que é boné). Vale dizer que sua escripta intelligente bonné já é, d'alguma forma, uma interferência na língua escripta; mas, reitero, uma sábia adhesão ao português d'uma palabra estrangeira. Nessas outras palabras analysadas, vc recomenda as mesmas graphias do Caldas Aulete, ou seja, estrangeiradas; contudo, e, como addendo às palabras estrangeiradas, recommenda também a escripta chique.

    Dito ipso, pergunto-lhe: apesar de toda esplendideza em sua ''lucta'' por uma escripta pística portuguesa, não vê a possibilidade d'isso ser, dalguma maneira, algo nímio? Isso em virtude, é claro, dos estrangeirismos annexados ao pístico idioma português, estrangeirismos expressos em Caldas Aulete. Sua graphia é parecente em pureza com a do Aulete, mas as palabras estrangeiras, a priori, são escriptas d'uma maneira estrangeira, evidentemente; para só depois, às vezes, receberem a acquisição portuguesa. É mui claro, portanto, que uma lucta por uma captação da forma inicial do escreber português abarcará palabras estrangeiras em suas formas NÂO portuguesas, palabras estrangeiras com o uso ainda não aportuguesado, ipso poderia crear inúmeras zizânias.

    Seria suspeitoso desconfiar de que essa lucta por essa pisticidade poria às canhas todo o bello e sumptuoso intento? Talvez a solução não seja usá-la como supedâneo? Gostaria, por favor, de ler algumas considerações suas sobre esse thema. Um abbraço.

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  3. Caro Glauco, uma coisa não entendo bem no seu TOL. Em relação a hífens, como é mesmo a regra? Fim-de-semana ou fim de semana? O seu uso é completamente opcional ou havia algum padrão definido na época?

    Outra coisa: emprego de maiúsculas. Para vocês no Brasil, não será uma grande questão, mas em Portugal o AO90 faz com que aqui se deixe de escrever Verão e Primavera com maiúscula, e Janeiro e Fevereiro. Coloco a mesma dúvida.

    Outra coisa que se crítica muito em Portugal com o AO90 é a perda do acento em pára, que se confunde com "para". Aí no Brasil ainda se lêem da mesma forma, mas cá "para" tem aa fechado. A acentuação nesse caso poderia ser empregada para fazer essa distinção? Por mim seria como em dinamarquês: não obrigatória mas de uso opcional em palavras que caso contrário seriam homógrafas e quando o contexto não ajuda muito (ex.: a secretaria da secretaria). Bem sei que na época não se entendiam quanto a este assunto, mas queria saber a sua opinião. Eu acho que poderão fazer falta em certas situações, quanto mais não seja para se distinguir o cágado do cagado (aqui em Portugal foi a grande anedota quando se falava do A086, que nunca chegou a existir mas que propunha o fim da acentuação de esdrúxulas).

    Tem estado a par do que o senhor Ernani Pimentel e companhia andam a tramar? Estiveram cá em Portugal a promover a ideia de simplificar o acordo, com coisas como passar-se a escrever "jirafa", "xamar" e "múzica". Se quiser, tem aqui o link da audiência: mms://mms.parlamento.pt/www/xiileg/3sl/com/08-cecc/cecc_20131127_2.mp3 É no mínimo cómico, uma vez que aqui fala-se já um pouco em parar/rever o AO90, e depois vêm estes vendedores de banha de caracol propor um suicídio ainda maior. Pode ter dois efeitos: apresentam uma proposta absurda e o povo finalmente revolta-se contra qualquer acordo OU apresentam uma proposta absurda e o povo pensa "afinal o AO90 não é tão mau". Enfim, isto aqui em Portugal é tudo imprevisível... Dia 20 vai ser discutida uma petição contra o acordo na Assembleia.


    P.S.: o mesmo anónimo do outro lado do Atlântico só que desta vez com blog.

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