sábado, 2 de abril de 2016

ABRIL/2016: ANTHROPOPHAGIA SIM, MAS COMMEDIMENTO NA COMIDA



Um internauta que, como eu, é fascinado por quaesquer opportunidades de
justificar o emprego de consoantes geminadas, questiona-me si, com base
nas formas italianas ALLEGRO ou COMMEDIA, não seria o caso de, por
analogia, adoptarmos taes geminações nos equivalentes portuguezes ALEGRE
e COMEDIA. E elle extende ao inglez sua hypothese, citando palavras como
MULATTO e TOBACCO, para propor que usemos lettras duplicadas nas formas
lusophonas MULATO e TABACO.


Para responder, tenho que ir por partes. O italiano é um idioma
historicamente mais phonetico que etymologico, como tantas vezes ja
lembrei. O facto de que na Italia existam verbos como APPLAUDIRE ou
SUPPLICARE, parentes directos dos nossos APPLAUDIR e SUPPLICAR, não nos
auctoriza a suppor que la elles preservem certas duplicações por amor à
etymologia. Os italianos tambem usam dois "LL" em ALLEGORIA, como nós,
mas não são os mesmos dois "LL" que utilizam na palavra ALLEGREZZA,
equivalente da nossa ALEGRIA, que, ao contrario de ALLEGORIA, não tem
origem grega e sim latina. Note-se que, alem dos dois "LL", a palavra
leva dois "ZZ", indicando uma funcção nitidamente prosodica e não uma
preoccupação propriamente orthographica. Para complicar um pouco as
coisas, reconhesço que, no nosso vernaculo, tambem se registra a forma
historica ALLEGRE, mas a origem tem a ver com ALACRIDADE e com o
adjectivo ALACRE, sempre com um só "L" nas fontes latinas. Voltando à
questão inicial, não é porque o italiano escreve REPUBLICA com dois "BB"
que vamos imitar tal practica, a qual é peculiar apenas àquella lingua.
Nossas bases etymologicas precisam ter um minimo de sustentação em
parallelismos com outros idiomas derivados do latim e do grego, como no
caso de vocabulos typo APPLAUSO, SUPPLICA ou ALLEGORIA, mas em casos
como COMEDIA (latim COMOEDIA) ou ALEGRE (latim ALACRIS/ALECRIS) não vejo
motivos para forçar a barra. Quanto às formas anglophonas MULATTO e
TOBACCO, a primeira vem do proprio portuguez, onde só leva um "T", e a
segunda do hespanhol, onde só é graphado com um "C". As duplicações "TT"
e "CC" vão, no caso, por compta dos mechanismos prosodicos do proprio
inglez. Acho que não seria o caso de, meramente por espirito imitativo,
seguirmos esses parametros. Sou o primeiro a suggerir geminações
plausiveis e fundamentadas, como em ABBRAÇO ou TORNOZELLO, mesmo quando
não accolhidas pelos lexicographos mais referenciaes, mas não posso
cahir em temptações appressadas. Sempre recommendo uma adveriguação
etymologica para cada palavra extrangeira que queiramos confrontar com
uma equivalente nossa. Como ninguem precisa ter em casa os principaes
diccionarios de cada idioma, a solução mais practica e technica dos
tempos actuaes é mesmo o cyberespaço, lembrando que, na internet, convem
quotejar duas ou mais fontes antes de tomar alguma informação por
fidedigna. Ao meu attento leitor, que ja se alegrava com uma comedia
mais feliz, suggiro que applaudamos as espectaculares scenas graphicas
deste nosso phantastico idioma e não suppliquemos que os philologos
approvem appropriações extranhas só por causa da belleza (e não da
BELLEZZA) das formas italianas. Calma, que o Brazil com "Z" sempre foi
nosso, antes de ser inglez...


Outro internauta, sciente da minha opinião liberal quanto ao
apportuguezamento de extrangeirismos, indaga-me accerca de certos
derivados do inglez. Pergunta elle: si temos, de ROCK, ROCKEIRO, como
seria o equivalente de RAP, RAPEIRO ou RAPPEIRO? O proprio ROCKEIRO
poderia ser ROQUEIRO? E o MARKETEIRO, poderia ser MARQUETEIRO? E o verbo
ESCANNEAR, deveria ser ESCANEAR? E os verbos XEROCAR e SAMPLEAR? Quer
que eu opine sobre tudo isso e faça um appanhado.


Então vejamos. Em principio, defendo a liberdade de excolha do escriptor
quanto à adopção do anglicismo original ou duma forma apportuguezada. Ja
fiz algumas resalvas para certos casos com os quaes implico, como o
injustificavel termo HASHTAG, mas tirando as idiosyncrasias não sou de
xenophobias linguisticas. Assim, para mim tanto faz escrevermos SPORT ou
STRESS como SPORT ou ESTRESSE. Nada de problematico, portanto, quanto a
derivados como ESPORTISTA [ESPORT(E)+ISTA] ou ESTRESSAR [ESTRESS(E)+AR],
ja que o "miolo" original permanesce intacto. No caso de ROCK+EIRO,
prefiro manter o digramma "CK" e grapho ROCKEIRO em vez de ROQUEIRO. No
caso de RAP+EIRO, prefiro RAPEIRO mesmo e não RAPPEIRO (de RAPPER).
Entre MARKETEIRO e MARQUETEIRO, prefiro com "K", mais fiel ao original
MARKETING. De SCANNER e SAMPLER acho natural que derivem os verbos
ESCANNEAR e SAMPLEAR. Até de XEROX acceito XEROCAR, mais como um
colloquialismo, uma vez que ficaria extranhissimo usar XEROXAR. Em
geral, evito mexer nos infixos ou "miolos" dos anglicismos, liberando o
emprego apportuguezado dos suffixos typo "AR", "EIRO" ou "ISTA". Assim,
grapho normalmente termos como:


ATTACHAR [ATTACH+AR], que tem optima opção vernacula em ANNEXAR
BULLYINGAR [BULLYING+AR]
CHECKAR [CHECK+AR], ja popularizado tambem como CHECAR
CLICKAR [CLICK+AR], ja popularizado tambem como CLICAR
COPYDESKAR [COPYDESK+AR]
CUSTOMIZAR [CUSTOM+(IZ)AR]
DRIBBLAR [DRIBBL(E)+AR]
HACKEAR [HACKE(R)+AR]
PLUGAR [PLUG+AR]
PRINTAR [PRINT+AR]
TWITAR [TWIT+AR]
ZAPEAR [ZAP+(E)AR]
BASKETEIRO [BASKET+EIRO]
BLOGUEIRO [BLOG+(U)EIRO] em vez de BLOGGUEIRO
DOGUEIRO [(HOT)DOG+(U)EIRO]
DOLLEIRO [DOLL(AR)+EIRO]
FUNKEIRO [FUNK+EIRO]
TWITEIRO [TWIT+EIRO], em vez de TWITTEIRO (de TWITTER)
BONDAGISTA [BONDAG(E)+ISTA]
GOLFISTA [GOLF+ISTA]
JAZZISTA [JAZZ+ISTA]
SKATISTA [SKAT(E)+ISTA]
SURFISTA [SURF+ISTA]
TENNISTA [TENNIS+(IS)TA]


Para illustrar o assumpto, transcrevo entre chaves o topico respectivo
no MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de Julio Nogueira, lembrando que, na
decada de 1920, muitos termos hoje totalmente apportuguezados ainda eram
novidade, emquanto os termos mais technologicos actuaes nem existiam ou
siquer tinham uso corrente. Nogueira basicamente reaffirma a tendencia
mais generalizada de admittir os anglicismos quando não haja exacta
equivalencia no vocabulario vernaculo. Nessa linha, concordo que é mais
razoavel preservar a forma original do que "forçar a barra" em
apportuguezamentos imitativos apenas da pronuncia, como DESAINE ou
DAULOUDE em logar de DESIGN ou DOWNLOAD.


{É impossivel estabelescer um criterio uniforme no tractamento das
palavras extranhas à lingua e que nella se fixaram. O caturrismo
implacavel mas innocuo de certos professores ou suppostos arbitros da
lingua tem querido vestir estas palavras de roupagens vernaculas,
affeiçoando-as systematicamente aos moldes e ao genio da lingua
portugueza. Esse proposito de nacionalização não medra e os emprestimos
das linguas extrangeiras continuam a seguir vario destino, ora
adjeitando-se a nossa phonologia, e representação graphica, ora
conservando-se intactos no seu aspecto nativo. Um observador imparcial
desse phenomeno reconhescerá nelle as mesmas duplicidades, as mesmas
incoherencias de outros phenomenos da linguagem e um codigo sensato não
pode ter outro intuito sinão registrar os factos, submisso às injuncções
populares e às correntes vencedoras, que tudo suffocam e submettem. O
futuro codigo orthographico da lingua tem, pois, de considerar duas
classes de palavras extrangeiras: [I] a constituida pelas que conservam
a sua morphologia intacta e pronunciamos ou tentamos pronunciar como nas
linguas de origem, taes sejam: AVALANCHE, BEEF-STEAK, BILL, BONNET,
BOUQUET, BOX, BREAK, BULL-DOG, CHAMPAGNE, CHAUFFEUR, CLOWN, CLUB, COKE,
CRAYON, CROQUETTE, CRUP, CUTTER, DOLLAR, ÉLITE, ENVELOPPE, FOOT-BALL,
GIM, GRENAT, GROG, GROOM, HIGH-LIFE, KIRSCHE, LAVABO, LUNCH, MADAME,
MARQUISE, MASSACRE, MATINÉE, MAYONNAISE, MEETING, MÉNAGE, NICKEL,
NUANCE, PALETOT, PICK-POCKET, PIC-NIC, ROBE, ROAST-BEEF, REPORTER, RHUM,
SCOUT, SOIRÉE, SPLEEN, SPORT, STEAPLE-CHASE, THALER, THALWEG, TOAST,
TOILETTE, TOURNÉE, TUNNEL, TURF, WHISKY. [II] a das palavras que
soffreram modificações mais ou menos profundas na sua morphologia e que
pronunciamos com variantes prosodicas mais ou menos appreciaveis, taes
como: BAIONNETA, BEBÊ, CHEQUE, CROQUE, DIQUE, DUCHA, ECLUSA, ETAPA,
FELDSPATHO, PUDDIM, QUARTZO, REDINGOTE, RICOCHETE, SUTACHE, TRENÓ,
TURISTA, VAGÃO, VALSA, VINHETA, ZUAVO. Em que pese aos irreductiveis
puristas, que num trabalho vão, tentam embargar-lhes o passo ou propõem
substituições artificiaes e inviaveis, esses emprestimos representam
contribuição appreciavel da linguagem portugueza. É preciso, pois, saber
qual deve ser a sua graphia, sejam adaptações, sejam formas puras de
idiomas extrangeiros. No glossario com que rematamos o presente ensaio
orthographico nada mais fazemos do que registrar essas palavras na sua
forma definitiva e mais generalizada. Incluimos apenas os
extrangeirismos com que ja nos achamos familiarizados, os de uso
incontestavel e que ja se tornaram, por assim dizer, necessarios aos
nossos habitos.}


Observo que o glossario a que Nogueira allude é o que consta de seu
MANUAL e não corresponde necessariamente ao criterio que adopto ao
verbetar alguns extrangeirismos em meu proprio diccionario.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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