sexta-feira, 30 de setembro de 2016

OUTUBRO/2016: CHORANDO NO KHORO OU CORANDO NO CHORO?


Antes da questão de fundo a que me reporto mensalmente, quero deixar
registrado o commentario que postei no facebook a proposito dos eventos
septembrinos. Começados os jogos parolympicos, fiquei alliviado ao ouvir
uma entrevista dada pelo amigo Mizael Conrado, hoje vice-presidente do
Committê Parolympico, que pronuncia correctamente a palavra PAROLYMPICO,
pois a palavra OLYMPO e seus derivados jamais perdem a vogal inicial. Ja
o prefixo grego PARA perde a ultima vogal sempre que o pospositivo
começar por vogal. Assim, PARA+ONOMASIA dá PARONOMASIA; PARA+OXYTONO dá
PAROXYTONO; PARA+ESTHESIA dá PARESTHESIA; PARA+ALLELO dá PARALLELO;
PARA+ATHLETA dá PARATHLETA. Em casos como PARAMILITAR ou PARAPLEGICO é
claro que o antepositivo não se altera. Lembrando que em palavras como
PARACHOQUE, PARAPEITO ou PARAQUEDAS o prefixo vem do verbo PARAR e que
na boa orthographia ellas não levam hyphen. Ja expliquei tudo isso neste
blog e não comprehendo por que alguns insistem na erronea forma
"PARALYMPICO", incorrecta até no inglez, idioma em que tambem existem os
equivalentes de PARONOMASIA ou PAROXYTONO. Será que é contagiosa a
burrice de alguem que falle duma "presidenta innocenta"? Em todo caso,
fique claro que o substantivo masculino JUMENTO admitte o feminino
JUMENTA. Isto posto, vamos a outra questão.


Um attento e attencioso leitor, que sempre me escreve mas prefere
manter-se no anonymato, volta a inquirir-me accerca do dilemma entre
homographia e homophonia que divide as alternativas CORO e CHORO, CHORO
e CHORO ou KHORO e CHORO, considerando que uma accepção é a de canto e a
outra de pranto, face ao facto de que em portuguez coexistem duas
sonoridades para o digramma "CH", como em CHIMERA parallelamente a
CHINELO.


Ja deixei clara a minha preferencia pela forma KHORO para canto e CHORO
para pranto, mas nunca é demais voltar ao thema. Desta feita transcrevo
o pertinente trecho de Nogueira no MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO para
depois fazer minhas considerações finaes.


{Segundo alguns a representação da articulação "KÊ" por "CH" em palavras
de origem grega é impropria. Julio Ribeiro não se conforma com ella,
declarando que o facto de exprimir o latim aquella articulação por "CH"
não é razão para que o portuguez o fizesse. Acha que em latim a
posposição do "H" ao "C" é acceitavel porque o "C" naquelle idioma tinha
o som forte de "KÊ" e assim o digramma "CH" podia, com propriedade,
exprimir o "X" (chi grego). No portuguez não, porque o "H" em concurso
com o "C" produz ja o valor de "XÊ" e conferir-lhe ainda o effeito de
"KÊ" importa crear duvidas na pronunciação. Essa observação é de todo
poncto justa e fosse lembrada ao tempo em que se manifestaram as
tendencias graphicas, decerto o "CH" não viria pleitear com o "K" e com
"QU" a representação da articulação guttural "KÊ". Hoje, porem, seria
impossivel qualquer alteração. Por outro lado o dr. Ramiz Galvão entende
que o representante genuino do chi grego é o "CH". A sua revolta é,
pois, em sentido contrario. Acha correctissimas as graphias MECHANICA,
EPOCHA, CHÔRO etc., e lamenta que o uso fixasse outras erroneas como
KILOMETRO, KILOGRAMMO etc., onde a articulação inicial transcreve o chi,
pelo que deviam taes palavras escrever-se: CHILOMETRO, CHILOGRAMMO, como
no italiano. As palavras em que a lettra composta dessa procedencia é
inicial são todas de formação erudita. Dentre ellas as mais vulgares
são: CHALDEU, CHAOS, CHIMERA, CHIMICA, CHIROMANCIA, CHLAMYDE, CHLORO,
CHOLAGOGO, CHOLERA (MORBUS), CHORÉA, CHOREU, CHOREOGRAPHIA,
CHOROGRAPHIA, CHRISMA, CHRISTO, CHROMO, CHRONICA, CHRYSALLIDA, CHYMO,
CHYLO e suas congeneres: CHALDAICO, CHAOTICO, CHIMERICO, CHIROMANTE,
CHLORATO, CHLORAL, CHOLERINA, TERPSICHORE, CHOROGRAPHICO, CHRISMAR,
CHRISTÃO, CHRISTIANISMO, ANTICHRISTO, CHROMATICO, ANACHRONICO,
ANACHRONISMO, CHRONOLOGIA etc. Do elemento ARCHE ha numerosas formações:
ARCHANJO, ARCHONTE, ARCHEOLOGIA, ARCHETYPO, ARCHIDUQUE, ARCHITECTO,
ARCHIVO, MONARCHIA, ANARCHIA, OLIGARCHIA, PATRIARCHADO (PATRIARCHA). A
transcripção por "CH" encontra-se, outrosim, no corpo das palavras
simples ou compostas de origem grega: MACHINA, TECHNICA (TECHNOLOGIA,
POLYTECHNICA, TECHNOGRAPHIA), ORCHESTRA, PSYCHOLOGIA, ECHOLALIA etc. Por
vezes uma alteração prosodica determinou a perda do "H". A influencia do
"E" e do "I" posteriores ao "C" fez-se sentir, apesar da intercorrencia
do "H", em ARCEBISPO, ARCEBISPADO, ARCEDIAGO, ARCEDIAGADO, ARCIPRESTE,
ARCIPRESTADO. Reapparesce o "H" e, com elle, o som guttural na formação
erudita - ARCHIEPISCOPAL. Foi ainda a mesma influencia que transformou a
prosodia e a escripta de CHIRURGIA em CIRURGIA (CIRURGIÃO, CIRURGICO). A
explicação é que estas palavras se vulgarizaram ao passo que as demais,
pela sua applicação erudita, estiveram fora do alcance dessa chymica
popular da linguagem. Outro exemplo se encontra em CATECHISMO, que se
pronunciava dando ao "CH" correspondente ao chi o valor de "KÊ", ainda
conservado em CATECHESE, CATECHIZAR. Mas a acção popular reduziu o "KÊ"
para "CÊ" e da pronuncia CATECISMO resultou essa graphia. Cabe ainda
mencionar a graphia BATRACIOS, indicadora de uma prosodia diversa da
rigorosamente etymologica: BATRACHIOS. Perdeu-se o "H" de ESCOLA,
ELENCO, CARTA, ACROSTICO, CARACTER, COLERA (SENTIMENTO), HYPOCONDRIO e
derivados; AUTOCHTHONE ja se escreve tambem AUTOCTHONE. O dr. Ramiz
Galvão propõe uma distincção graphica entre CARTA (MISSIVA) e CHARTA
(MAPPA), CHARTOGRAPHIA etc., sem embargo da communidade de origem. Esta
distincção não tem sido feita na graphia usual. Está vacillante o "H" de
EPOCA, CORO, MECANICA, MELANCOLIA, que ja preferimos assim. A tendencia
é para simplificar; antes de "E", "I", "Y" (CHELONIO, MONARCHIA, CHYMO,
CHYLO) a representação se manterá, a menos que se dê corrupção
prosodica, como accontesceu em CIRURGIA, CATECISMO. Para manter o valor
guttural sem o "CH" seria preciso confiar esse papel ao "K" ainda mais
extranho à physiognomia das nossas palavras ou o digramma "QU", que,
alem de nada simplificar, geraria duvidas na pronuncia.}


Com effeito, o nosso Nogueirinha é mesmo um authentico vacillão! Si,
como elle às vezes affirma, "a tendencia é para simplificar", seu manual
nem teria razão de ser e elle não precisaria fazer a vehemente defesa
que faz, em outros momentos, da orthographia etymologica: bastava
capitular duma vez às correntes phoneticistas que, ja àquella epocha
(decada de 1920, quando sua obra foi publicada), propunham a reforma que
em 1943 seria officializada no Brazil. Mas, grande conhescedor da lingua
que era, Nogueira teve o merito de registrar posições antagonicas, como
as de Julio Ribeiro e de Ramiz Galvão no paragrapho accyma transcripto
entre chaves. Obviamente estou aqui para referendar a opinião de Galvão
e para refutar a de Ribeiro, si não tambem este blog não teria razão de
ser. Cabe, então, apponctar os casos em que não endosso os commentarios
de Nogueira.


Primeiramente, ja expliquei por que admitto as formas KILOMETRO e
KILOGRAMMA ao lado de CHILIOGONO: teriamos que graphar CHILIOMETRO e a
abbreviatura KM perderia o sentido. O verdadeiro elemento compositivo
para "mil" é CHILIO e não CHILO, que significa "labio". Lamento, neste
poncto, ter de corrigir Galvão, com quem sympathizo. A graphia correcta
de CHYMICA é com "Y" e não com "I" como acceita Nogueira. Em hypothese
nenhuma posso admittir que o "H" se tenha "perdido" em EPOCHA, ESCHOLA,
ELENCHO, CHARTA, CHARACTER, ACROSTICHO, CHOLERICO, HYPOCHONDRIACO ou
AUTOCHTHONE, como deixo claro nos commentarios addicionaes ao meu
DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO. Não vejo necessidade de distinguir CARTA de
CHARTA e acho que o "H" deve valer tanto em CHARTEIRO como em
CHARTOGRAPHO. Nem por sombra acho "vacillante" o "H" de MECHANICA ou
MELANCHOLIA. Quem disse que preferimos assim? Quem preferir que escreva
sem "H"; eu não. Não é o "H" que estaria "vacillante": Nogueira é que
era vacillão! Os unicos casos em que admitto o desapparescimento do "H"
são os de CATECISMO, CIRURGIA, ARCEBISPO etc., consolidados pela
tradição, mais que pela importancia da prosodia. Apenas como excepção
prosodica, analoga à excepcionalidade do "K" em KILOMETRO ou
KALEIDOSCOPIO, é que o adopto em KHORO para differenciar de CHORO, pois
acho CORO simplificado demais. Ja que, pela minha optica, a tendencia
deve ser para complicar (estheticamente fallando, no sentido da
sophisticação classicista), não posso concordar com Nogueira e prefiro
KHORO a CORO, emfim.


Vale salientar o motivo pelo qual Nogueira e outros auctores tanto
alludiam ao facto de, aqui ou alli, alguem "preferir" assim ou assado:
antes de 1943 vigorava um systema dicto "mixto", pelo qual cada
escriptor estaria livre para adoptar graphemas mais ou menos rigorosos,
como os de CARTA ou CORO em relação a CHARTA e KHORO. Dahi que,
contrario que sou a quaesquer leis que tractem phenomenos linguisticos
como si fossem materia politica ou burocratica, continuo partindo do
principio de que cada escriptor tem de ficar à vontade para decidir si
acceita ou não as novas regras, que, em ultima analyse, teem de ser
propostas e não impostas.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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