quarta-feira, 30 de novembro de 2016

DEZEMBRO/2016: UM FREGUEZ FALLAZ QUE FAZ JUS AO BIS


No mez passado abbordei o caso dos graphemas "AU" e "ÁO" e, para fazer
um parallelo, mencionei minha coherencia com o principio da minima
accentuação. Citei LUIZ e PORTUGUEZ como exemplos do quanto a
orthographia preservacionista prescinde do accento agudo. Tambem alludi
ao facto de que os leitores deste bloguinho são attentos observadores,
promptos para me pegar no pullo, ou pelo menos para tentar pegar-me.


Agora é o leitor Oswaldo quem me interpella:


- Você defende as terminações com a lettra "Z" para não ter de escrever
LUIZ como LUÍS, mas escreve ASSIS e PARIS. Como explica mais essa
incoherencia?


Explico-a porque a incoherencia não é minha. A orthographia não é uma
sciencia exacta, cabendo excepções a quaesquer regras, ou antes,
convenções que recommendo sem tentar impor. ASSIS e PARIS são formas que
difficilmente alguem achará como ASSIZ e PARIZ, embora o proprio Julio
Nogueira admitta PARIZ. Vejamos o que elle diz em seu MANUAL
ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO e depois accrescentarei meus commentarios.


{A constricta "ZÊ" representa-se por "Z": [...] como lettra final de
grande numero de palavras agudas e nos seus pluraes e derivados: GAZ,
PAZ, RAPAZ, TIMIDEZ, FRANCEZ, PORTUGUEZ, VEZ, AUDAZ, LIZ, RAIZ, NARIZ,
PAIZ, JUIZ, PARIZ, NOZ, VOZ, FEROZ, ATROZ, LUZ, CRUZ. Esta indicação de
cunho practico appoia-se no facto de ser o "Z", em innumeros casos, a
transcripção de um "C" latino. Os derivados de formação popular manteem
a mesma graphia: RAPAZIADA, FRANCEZMENTE, ENRAIZAR, JUIZADO, VOZEIO,
VOZEAR, FEROZMENTE, LUZEIRO, CRUZAR, CRUZEIRO, etc.}


Obviamente, Nogueira faz suas excepções, como JUS, JESUS, MOYSÉS,
CAIPHÁS, que eu também levo em compta, mas o facto é que a etymologia e
a tradição escripta não são sufficientes para estabelescer um paradigma
para todos os casos. Graphamos SATANAZ mas temos escrupulo de graphar
CAIPHAZ ou JESUZ. Por que? A resposta talvez esteja justamente na praxe
consuetudinaria. Basta consultar as fontes lexicographicas. O
diccionario Lello consigna SATANAZ com "Z" ao lado de CAIPHÁS com "S",
bem como ASSIS e PARIS. O de Aulete, como não é encyclopedico, só
registra adjectivos de nomes proprios, mas não verbeta PARISIENSE e em
FRANCISCANO não menciona "de Assis"; comtudo, no verbete JACOBINO
menciona PARIS com "S". Outrosim, nosso Assis mais famoso, o Machado,
não usava "Z", emquanto Delphino, que era Luiz, não usava "S". Está ahi
a differença da praxe, diaphana e crystallina.


Em summa, ninguem precisa ter dor na consciencia si se vê às voltas com
taes incoherencias, pois ellas fazem parte do complexo universo lexico
do idioma, para o qual nenhuma academia tem poderes de legislar em
character obrigatorio.


ASSIS vem do italiano ASSISI e PARIS não do grego mythologico PARIS (que
é paroxytono e accentuado como PÁRIS pela graphia phonetica), mas da
tribu celta PARISII. Em todo caso, paresce claro que os nomes proprios
teem sua peculiar morphologia e nem sempre podem ser enquadrados pelos
mesmos criterios que regem os substantivos communs do typo agudamente
terminado em "Z" de modo a dispensar o accento. Mesmo entre estes ha
necessidade de distinguir NOZ de NÓS (pronome e plural de NÓ), VOZ de
VÓS (pronome), VEZ de VÊS (verbo VER) ou PAZ de PÁS (plural de PÁ),
evidenciando que ha logar para as mais diversas situações accentuadas,
impossiveis de evitar.


Caso o leitor Oswaldo não se satisfaça com taes explicações, não vou
ficar indignado quando elle quizer graphar ASSIZ ou PARIZ, desde que
elle siga o mesmo criterio em JESUZ e MOYSEZ, para manter uma coherencia
que, esta sim, será delle e de ninguem mais. Rapaz audaz, esse que quiz
ser meu juiz, hem?


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


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sexta-feira, 28 de outubro de 2016

NOVEMBRO/2016: PÁO COMBINA COM BOCETA?


Nós, etymologistas, somos como os monarchistas: poucos mas mais
realistas que o rei. Tão zelosos que nada deixamos excappar. Assim são
os seguidores deste bloguinho de notas. Pegam no meu pé emquanto não os
convenço de que as convenções que adopto, quando não estão embasadas na
pura etymologia, baseiam-se no factor consuetudinario (a forma historica
mais arraigada) ou, em ultima analyse, numa questão de coherencia,
sempre visando fixar os graphemas menos simplificados, em funcção duma
esthetica classicizante e (Por que não?) sophisticada.


Este preambulo vem a proposito da questão levantada por um leitor nos
seguintes termos: ja que recommendo, em muitos casos que o systema mixto
tornava indecisos, a preferencia pela vogal "O" em detrimento do "U",
como em BOCETA ou MOLEQUE, qual a razão pela qual prefiro PAU, MAU e
NICOLAU às formas terminadas em "ÁO" (PÁO, MÁO e NICOLÁO)? "Não seria
incoherente?", pergunta o leitor.


Minha resposta é que, entre duas incoherencias, excolho aquella que
causa effeitos menos damnosos ao conjuncto da obra, ou ao universo
lexico. Primeiramente, cabe lembrar que nem sempre a opção pelo "O"
tinha fundamentação etymologica. A palavra LOGAR, por exemplo, guardava
coherencia com LOCAL, do latim LOCALIS. Entretanto, BOCETA vem de
BUXIS/BUXIDIS e MOLEQUE do africano MULEKE, ou seja, às vezes a opção
pelo "O" seria uma tradição crystallizada no proprio portuguez. Isso não
tira a legitimidade de BOCETA ou MOLEQUE, pois, como accabei de allegar,
o factor consuetudinario pesa tanto quanto a authenticidade etymologica.


No caso de PAU, MAU ou NICOLAU (latim PALUS, MALUS e NICOLAUS,
respectivamente), a tendencia mais correcta seria graphar mesmo com "U".
Assim faço eu, mas deixo a criterio de cada um optar pelas formas PÁO,
MÁO e NICOLÁO, ja que a tradição vem legitimar ambas as excolhas. Minha
coherencia, no caso, é com um principio que chamo da "minima
accentuação", pelo qual dispenso um agudo, um circumflexo, um til ou uma
cedilha sempre que posso, como em LUIZ (em logar de LUÍS), PORTUGUEZ (em
logar de PORTUGUÊS) MAÇAN (em logar de MAÇÃ) ou SUISSA (em logar de
SUÍÇA), donde a conveniencia de graphar PAU em logar de PÁO. Mas ha
ainda outra conveniencia, bem mais practica, principalmente em tempos de
digitação informatizada: o emprego do "U" evita confusões entre o agudo
e o til em palavras como PÃO, MÃO, NÃO, BABÃO etc. em relação a PÁO,
MÁO, NÁO e BABÁO.


Não fica nisso a minha coherencia. Si eu preferisse o graphema "ÁO" ao
"AU", teria de preferir "ÉO" a "ÉU" e escreveria CHAPÉO e CÉO em vez de
CHAPÉU e CÉU. Sim, haveria tradição para me fundamentar, mas, nesse
caso, eu teria de escrever EUROPÊO e LYCÊO quando o som do "E" fosse
fechado. Tambem haveria alguma fundamentação historica para tal, mas,
convenhamos, seria uma plethora de agudos e circumflexos perfeitamente
dispensaveis, não acham? Si um dos maiores problemas da orthographia
reformada é a quantidade de accentos, não precisamos arrhumar tal
problema tambem na orthographia preservada, é ou não é?


A esse respeito, illustro meu commentario com um trecho do MANUAL
ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de Julio Nogueira:


{O nosso Lyceu de Artes e Officios e o Syllogeu são, pelo menos nas suas
fachadas, LYCÊO e SYLLOGÊO, graphias pouco acceitaveis, não só do poncto
de vista practico como do scientifico. A palavra SYLLOGEU, formada de
elementos gregos pelo Dr. Ramiz Galvão (1904) assim se acha escripta no
seu "Vocabulario" e significa "a casa onde se reunem associações
litterarias e scientificas".}


Apesar de desrecommendar o graphema "ÊO", porem, Nogueira recommenda
"ÉO" em caso da vogal aberta, como em CÉO, CHAPÉO, VÉO, TROPHÉO,
ESCARCÉO, BORNÉO, MAUSOLÉO, BORDÉOS, MONTEVIDÉO. Por isso não fecho
questão, adoptando CHAPÉU mas admittindo CHAPÉO caso a cabeça não seja a
minha, que, aliaz, usa bonné.


Ainda a proposito do termo PAU no sentido phallico e de seu equivalente
feminino BOCETA, nunca é tarde para registrar que o substantivo ROLLA
(que, como synonymo de POMBA, suggeriria a vagina e não o penis)
deveria, por força do factor historico, levar "L" duplicado, até porque
seu formato ROLLIÇO remette ao masculino ROLLO que, como ROL, vem do
latim ROLLUS que, por sua vez, vem de ROTULUS. Dahi que, mesmo sendo
forma corrente no systema mixto, o verbo ROLLAR com um só "L" passou
pela minha tardia correcção, bem como seus correlatos ENROLLAR e
DESENROLLAR, ao lado de ROLLETA, ROLLINHO, ROLLÊ, ROLLEZINHO, ROLLANTE,
etc. Em summa, a todo momento estamos deante de formas apparentemente
simples que, si cuidadosamente pesquisadas, appresentam algo mais
complexo, a despeito da ommissão dos diccionarios, que tendem a
registrar apenas ROTULUS como etymologia de ROLLO, induzindo o
consulente a acceitar as formas simplificadas "ROLO" e "ROLA".


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

OUTUBRO/2016: CHORANDO NO KHORO OU CORANDO NO CHORO?


Antes da questão de fundo a que me reporto mensalmente, quero deixar
registrado o commentario que postei no facebook a proposito dos eventos
septembrinos. Começados os jogos parolympicos, fiquei alliviado ao ouvir
uma entrevista dada pelo amigo Mizael Conrado, hoje vice-presidente do
Committê Parolympico, que pronuncia correctamente a palavra PAROLYMPICO,
pois a palavra OLYMPO e seus derivados jamais perdem a vogal inicial. Ja
o prefixo grego PARA perde a ultima vogal sempre que o pospositivo
começar por vogal. Assim, PARA+ONOMASIA dá PARONOMASIA; PARA+OXYTONO dá
PAROXYTONO; PARA+ESTHESIA dá PARESTHESIA; PARA+ALLELO dá PARALLELO;
PARA+ATHLETA dá PARATHLETA. Em casos como PARAMILITAR ou PARAPLEGICO é
claro que o antepositivo não se altera. Lembrando que em palavras como
PARACHOQUE, PARAPEITO ou PARAQUEDAS o prefixo vem do verbo PARAR e que
na boa orthographia ellas não levam hyphen. Ja expliquei tudo isso neste
blog e não comprehendo por que alguns insistem na erronea forma
"PARALYMPICO", incorrecta até no inglez, idioma em que tambem existem os
equivalentes de PARONOMASIA ou PAROXYTONO. Será que é contagiosa a
burrice de alguem que falle duma "presidenta innocenta"? Em todo caso,
fique claro que o substantivo masculino JUMENTO admitte o feminino
JUMENTA. Isto posto, vamos a outra questão.


Um attento e attencioso leitor, que sempre me escreve mas prefere
manter-se no anonymato, volta a inquirir-me accerca do dilemma entre
homographia e homophonia que divide as alternativas CORO e CHORO, CHORO
e CHORO ou KHORO e CHORO, considerando que uma accepção é a de canto e a
outra de pranto, face ao facto de que em portuguez coexistem duas
sonoridades para o digramma "CH", como em CHIMERA parallelamente a
CHINELO.


Ja deixei clara a minha preferencia pela forma KHORO para canto e CHORO
para pranto, mas nunca é demais voltar ao thema. Desta feita transcrevo
o pertinente trecho de Nogueira no MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO para
depois fazer minhas considerações finaes.


{Segundo alguns a representação da articulação "KÊ" por "CH" em palavras
de origem grega é impropria. Julio Ribeiro não se conforma com ella,
declarando que o facto de exprimir o latim aquella articulação por "CH"
não é razão para que o portuguez o fizesse. Acha que em latim a
posposição do "H" ao "C" é acceitavel porque o "C" naquelle idioma tinha
o som forte de "KÊ" e assim o digramma "CH" podia, com propriedade,
exprimir o "X" (chi grego). No portuguez não, porque o "H" em concurso
com o "C" produz ja o valor de "XÊ" e conferir-lhe ainda o effeito de
"KÊ" importa crear duvidas na pronunciação. Essa observação é de todo
poncto justa e fosse lembrada ao tempo em que se manifestaram as
tendencias graphicas, decerto o "CH" não viria pleitear com o "K" e com
"QU" a representação da articulação guttural "KÊ". Hoje, porem, seria
impossivel qualquer alteração. Por outro lado o dr. Ramiz Galvão entende
que o representante genuino do chi grego é o "CH". A sua revolta é,
pois, em sentido contrario. Acha correctissimas as graphias MECHANICA,
EPOCHA, CHÔRO etc., e lamenta que o uso fixasse outras erroneas como
KILOMETRO, KILOGRAMMO etc., onde a articulação inicial transcreve o chi,
pelo que deviam taes palavras escrever-se: CHILOMETRO, CHILOGRAMMO, como
no italiano. As palavras em que a lettra composta dessa procedencia é
inicial são todas de formação erudita. Dentre ellas as mais vulgares
são: CHALDEU, CHAOS, CHIMERA, CHIMICA, CHIROMANCIA, CHLAMYDE, CHLORO,
CHOLAGOGO, CHOLERA (MORBUS), CHORÉA, CHOREU, CHOREOGRAPHIA,
CHOROGRAPHIA, CHRISMA, CHRISTO, CHROMO, CHRONICA, CHRYSALLIDA, CHYMO,
CHYLO e suas congeneres: CHALDAICO, CHAOTICO, CHIMERICO, CHIROMANTE,
CHLORATO, CHLORAL, CHOLERINA, TERPSICHORE, CHOROGRAPHICO, CHRISMAR,
CHRISTÃO, CHRISTIANISMO, ANTICHRISTO, CHROMATICO, ANACHRONICO,
ANACHRONISMO, CHRONOLOGIA etc. Do elemento ARCHE ha numerosas formações:
ARCHANJO, ARCHONTE, ARCHEOLOGIA, ARCHETYPO, ARCHIDUQUE, ARCHITECTO,
ARCHIVO, MONARCHIA, ANARCHIA, OLIGARCHIA, PATRIARCHADO (PATRIARCHA). A
transcripção por "CH" encontra-se, outrosim, no corpo das palavras
simples ou compostas de origem grega: MACHINA, TECHNICA (TECHNOLOGIA,
POLYTECHNICA, TECHNOGRAPHIA), ORCHESTRA, PSYCHOLOGIA, ECHOLALIA etc. Por
vezes uma alteração prosodica determinou a perda do "H". A influencia do
"E" e do "I" posteriores ao "C" fez-se sentir, apesar da intercorrencia
do "H", em ARCEBISPO, ARCEBISPADO, ARCEDIAGO, ARCEDIAGADO, ARCIPRESTE,
ARCIPRESTADO. Reapparesce o "H" e, com elle, o som guttural na formação
erudita - ARCHIEPISCOPAL. Foi ainda a mesma influencia que transformou a
prosodia e a escripta de CHIRURGIA em CIRURGIA (CIRURGIÃO, CIRURGICO). A
explicação é que estas palavras se vulgarizaram ao passo que as demais,
pela sua applicação erudita, estiveram fora do alcance dessa chymica
popular da linguagem. Outro exemplo se encontra em CATECHISMO, que se
pronunciava dando ao "CH" correspondente ao chi o valor de "KÊ", ainda
conservado em CATECHESE, CATECHIZAR. Mas a acção popular reduziu o "KÊ"
para "CÊ" e da pronuncia CATECISMO resultou essa graphia. Cabe ainda
mencionar a graphia BATRACIOS, indicadora de uma prosodia diversa da
rigorosamente etymologica: BATRACHIOS. Perdeu-se o "H" de ESCOLA,
ELENCO, CARTA, ACROSTICO, CARACTER, COLERA (SENTIMENTO), HYPOCONDRIO e
derivados; AUTOCHTHONE ja se escreve tambem AUTOCTHONE. O dr. Ramiz
Galvão propõe uma distincção graphica entre CARTA (MISSIVA) e CHARTA
(MAPPA), CHARTOGRAPHIA etc., sem embargo da communidade de origem. Esta
distincção não tem sido feita na graphia usual. Está vacillante o "H" de
EPOCA, CORO, MECANICA, MELANCOLIA, que ja preferimos assim. A tendencia
é para simplificar; antes de "E", "I", "Y" (CHELONIO, MONARCHIA, CHYMO,
CHYLO) a representação se manterá, a menos que se dê corrupção
prosodica, como accontesceu em CIRURGIA, CATECISMO. Para manter o valor
guttural sem o "CH" seria preciso confiar esse papel ao "K" ainda mais
extranho à physiognomia das nossas palavras ou o digramma "QU", que,
alem de nada simplificar, geraria duvidas na pronuncia.}


Com effeito, o nosso Nogueirinha é mesmo um authentico vacillão! Si,
como elle às vezes affirma, "a tendencia é para simplificar", seu manual
nem teria razão de ser e elle não precisaria fazer a vehemente defesa
que faz, em outros momentos, da orthographia etymologica: bastava
capitular duma vez às correntes phoneticistas que, ja àquella epocha
(decada de 1920, quando sua obra foi publicada), propunham a reforma que
em 1943 seria officializada no Brazil. Mas, grande conhescedor da lingua
que era, Nogueira teve o merito de registrar posições antagonicas, como
as de Julio Ribeiro e de Ramiz Galvão no paragrapho accyma transcripto
entre chaves. Obviamente estou aqui para referendar a opinião de Galvão
e para refutar a de Ribeiro, si não tambem este blog não teria razão de
ser. Cabe, então, apponctar os casos em que não endosso os commentarios
de Nogueira.


Primeiramente, ja expliquei por que admitto as formas KILOMETRO e
KILOGRAMMA ao lado de CHILIOGONO: teriamos que graphar CHILIOMETRO e a
abbreviatura KM perderia o sentido. O verdadeiro elemento compositivo
para "mil" é CHILIO e não CHILO, que significa "labio". Lamento, neste
poncto, ter de corrigir Galvão, com quem sympathizo. A graphia correcta
de CHYMICA é com "Y" e não com "I" como acceita Nogueira. Em hypothese
nenhuma posso admittir que o "H" se tenha "perdido" em EPOCHA, ESCHOLA,
ELENCHO, CHARTA, CHARACTER, ACROSTICHO, CHOLERICO, HYPOCHONDRIACO ou
AUTOCHTHONE, como deixo claro nos commentarios addicionaes ao meu
DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO. Não vejo necessidade de distinguir CARTA de
CHARTA e acho que o "H" deve valer tanto em CHARTEIRO como em
CHARTOGRAPHO. Nem por sombra acho "vacillante" o "H" de MECHANICA ou
MELANCHOLIA. Quem disse que preferimos assim? Quem preferir que escreva
sem "H"; eu não. Não é o "H" que estaria "vacillante": Nogueira é que
era vacillão! Os unicos casos em que admitto o desapparescimento do "H"
são os de CATECISMO, CIRURGIA, ARCEBISPO etc., consolidados pela
tradição, mais que pela importancia da prosodia. Apenas como excepção
prosodica, analoga à excepcionalidade do "K" em KILOMETRO ou
KALEIDOSCOPIO, é que o adopto em KHORO para differenciar de CHORO, pois
acho CORO simplificado demais. Ja que, pela minha optica, a tendencia
deve ser para complicar (estheticamente fallando, no sentido da
sophisticação classicista), não posso concordar com Nogueira e prefiro
KHORO a CORO, emfim.


Vale salientar o motivo pelo qual Nogueira e outros auctores tanto
alludiam ao facto de, aqui ou alli, alguem "preferir" assim ou assado:
antes de 1943 vigorava um systema dicto "mixto", pelo qual cada
escriptor estaria livre para adoptar graphemas mais ou menos rigorosos,
como os de CARTA ou CORO em relação a CHARTA e KHORO. Dahi que,
contrario que sou a quaesquer leis que tractem phenomenos linguisticos
como si fossem materia politica ou burocratica, continuo partindo do
principio de que cada escriptor tem de ficar à vontade para decidir si
acceita ou não as novas regras, que, em ultima analyse, teem de ser
propostas e não impostas.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

SEPTEMBRO/2016: POSTHUMOS THESOUROS QUE NOSSOS THIOS NOS OUTHORGARAM



O leitor que me consulta desta vez sabe que seu nome, Theophilo,
significa devoto de Deus e até brinca que, si fosse "temente a Deus",
deveria chamar-se Theophobo. Sua duvida, entretanto, tem a ver com o
"TH", transcripto do theta: elle quer saber como podemos differenciar
palavras com "TH", como THEOLOGIA, de outras com "T" simples, como
TELEOLOGIA, ja que ambas teem origem grega.


Minha resposta é que, tal como no caso do "PH" em relação ao "F" ou do
"Y" em relação ao "I", a solução practica é decorar os graphemas mais
communs, alem daquelles que chamam a attenção pela apparente homographia
que os phoneticistas induzem a occorrer, como entre THESOURO e TESOURA,
cuja origem ja expliquei neste bloguinho de notas. Vamos conferir o que
nosso collega philologo Julio Nogueira escreve em seu MANUAL
ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO, ao qual não me furto a fazer reparos:


{Esta lettra composta é a transcripção regular do theta grego ja operada
no latim. Como inicial cabe, entre outras palavras, em: THALAMO,
THAUMATURGO, THEATRO, THEBAS, THEMA, THEOREMA, THEORIA, THERAPEUTICA,
THERMAS (THERMOMETRO), THESE, THESOURO, THORAX, THRONO, THRENO, THYRSO e
congeneres. Cahiu o "H" em TROMBOSE.


Do elemento THEOS (deus) encontra-se em THEOLOGIA, THEOGONIA, THEURGIA,
THEODICÉA, THEOSOPHIA, APOTHEOSE, ENTHUSIASMO.


Do elemento ANTHROPOS (homem) apparesce em ANTHROPOIDE, ANTHROPOLOGIA,
ANTHROPOMETRIA, ANTHROPOMORPHISMO, ANTHROPOPHAGIA, MISANTHROPO,
PHILANTHROPO.


Do elemento ORTHO (recto, verdadeiro), em: ORTHODOXO, ORTHOEPIA,
ORTHOGONAL, ORTHOGRAPHIA, ORTHOPEDIA, ORTHOPHONIA, ORTHOPNÉA.


Vê-se no corpo de vocabulos portuguezes sempre correspondendo à mesma
transcripção: CATHEDRA, CATHOLICO, COTHURNO, ABSINTHO, AEROLITHO (tambem
ja escripto sem "TH"), ANACOLUTHO, ANATHEMA, ANESTHESIA, ANTHOLOGIA,
ANTHRAZ, APOTHEMA, ARTHRITE, ARITHMETICA, ASTHENIA, ASTHMA, RHYTHMO,
PARENTHESE, PLETHORA, LETHARGO, APATHIA (SYMPATHIA, ANTIPATHIA,
TELEPATHIA), MYTHO (MYTHOLOGIA), LITHOGRAPHIA, LABYRINTHO. Por falsa
analogia com THESOURO tem-se escripto o "TH" em TESOURA (TONSORIA). É
egualmente indevido o "TH" em TEOR, que nada tem com THEORIA. Escreve-se
erradamente o "TH" em CATEGORIA, onde originariamente existe um tau e
não theta. Por algum tempo se escreveu tambem OUTORGAR e corradicaes com
um "H" improprio. Essa cacographia tabellioa ja vae desapparescendo. O
"H" foi abandonado em palavras que se tornaram muito vulgares, como TIO,
CANTARO, TALO. Por falsa etymologia escreveu-se tambem POSTHUMO com
"TH", practica ja em via de correcção. Suppunha-se haver na composição
desta palavra o vocabulo HUMUS e até em latim se encontra ja a
cacographia POSTHUMUS. Hoje está reconhescido à luz dos estudos
etymologicos e morphologicos que POSTUMUS é simplesmente o superlativo
de POST. O "H" de THEMA leva alguns a usal-o incabidamente em SYSTEMA.
No nome proprio THIAGO o "TH", comquanto indevido, é hoje irremediavel.
O mesmo cabe dizer em relação a THEREZA. Existe "TH" em BISMUTHO,
WERMUTH (de origem alleman).}


O incorrigivel Nogueirinha sempre commette suas incoherencias, fazendo
concessões simplificadoras ao lado de attitudes inflexiveis, estas com
meu inteiro appoio e aquellas com meu repudio. Entre as concessões que
não faço estão as palavras THROMBOSE (na qual o "H" só "cahiu" na cabeça
de quem acceita tal queda), AEROLITHO (na qual o elemento LITHO jamais
pode ommittir o "H", como em LITHOGRAPHIA, mencionada pelo proprio
Nogueira), OUTHORGAR (na qual a cacographia está sanccionada pela
tradição, factor consuetudinario tão importante quanto o scientificismo
etymologico allegado por Nogueira), POSTHUMO (pela mesma razão que rege
o graphema precedente), THIO, CANTHARO, THALLO (nas quaes a allegação de
uso vulgarizado não justifica qualquer simplificação, até porque
Nogueira não abre mão de THEREZA e THIAGO, como eu, nem de CATHEDRA ou
THALAMO), affora os casos typicamente anglophonos (como AUTHOR ou
ARTHUR), ja commentados aqui.


Em summa, não desmeresço os escrupulos de Nogueira em relação a
cacographias como a occorrencia indevida de "TH" em CATEGORIA, SYSTEMA
ou TESOURA, mas nos casos em que a forma historica ja se crystallizou,
como THEREZA, THIAGO ou POSTHUMO, o que deve prevalescer é sempre a
escripta menos simplificada, objectivo maximo dos battalhadores pela
causa preservacionista do idioma.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
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sábado, 30 de julho de 2016

AGOSTO/2016: DIRECTO AO PONCTO COM DIREITO AO FEITO



Este mez é o leitor Rodolpho quem me provoca com a seguinte questão:


- Dentre varias palavras que na orthographia official se escrevem como
RET... (RETA, RETO, RETÂNGULO, RETAGUARDA, RETÍFICA, RETÍCULA, RETINA,
RETINÓIDE, RETICÊNCIA, RETOR, RETÓRICA, RETOSCÓPIO), por que você
escreve algumas como RECT... e outras não?


Elle approveita para perguntar de onde vem o "PH" de seu nome e si não
deveria ser "RHODOLPHO", como RHODODENDRO ou "RHODOANNEL". Calma, que na
segunda questão a confusão foi maior. Comecemos por esta.


Em RODOLPHO o "PH" vem do pospositivo "OLPHO" (provindo do graphema
germanico WULF ou WOLF, significando "lobo" e latinizado como "ULPHUS"),
presente em nomes como ADOLPHO, ASTOLPHO ou RANDOLPHO. O antepositivo
"ROD" (significando "fama" ou "famoso") é o mesmo de RODRIGO ou
RODERICO, reduzido para "RO" em ROBERTO, ROGERIO ou RONALDO. Ja na
palavra RODOANNEL o antepositivo RODO é o mesmo de RODOVIA, ROTULA ou
ROTATORIA, ou seja, a matriz latina ROTA que deu RODA em portuguez, e
não a matriz RUPTA que nos deu ROPTA e DERROPTA [DES+ROPTA], ou seja, em
nenhum destes casos se justifica um "RH" que só occorre em palavras de
matriz grega, caso de RHETOR, RHETORICA, RHODODENDRO, RHODOGRAPHIA,
RHACHITICO, RHEUMATICO, RHINITE, RHIZOTONICO, RHYTHMO etc. Meu
DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO traz um glossario desses elementos
compositivos gregos, onde RHODO significa ROSA e não RODA. A proposito,
vejamos o que escreve Julio Nogueira em seu MANUAL ORTHOGRAPHICO
BRAZILEIRO, sempre subjeito às devidas rectificações:


{O grupo inicial "RH" apparesce apenas em palavras de origem grega. O
facto de ser aspirado o "RHO" inicial, determinou a sua transcripção
latina por "RH", a qual passou para o portuguez: RHAPSODO, RHETORICA,
RHEUMATISMO, RHINOCERONTE, RHODIO, RHYTHMO e outras palavras menos
vulgares, alem das de creação moderna RHEOSTATO, RHINALGIA, RHIZOTONICO.
A simplificação ja se deu em RONCAR (latim RHONCARE), RACHIS,
RACHITISMO, RACHITICO, RACHIDIANO e ROMBO (ROMBOIDE). O dr. Ramiz
Galvão, a proposito de RACHIS, propõe RHACHE, protestando contra a
suppressão do "H" do grupo inicial "RH", transcripção normal do "RHO". A
transcripção por "RH", quando inicial do segundo elemento de palavra
composta é, às vezes, esquecida, como se dá em HEMORRAGIA (escripta mais
corrente que HEMORRHAGIA) e CATARRO (mais que CATARRHO).}


Desnecessario reaffirmar que me colloco no circulo dos que, como Ramiz
Galvão, não abrem mão duma transcripção coherente e rigorosa. Assim, nem
pensar em simplificar palavras como RHONCHO, RHONCHAR, RHACHITISMO,
HEMORRHAGIA, HEMORRHOIDA, CATARRHO ou DYSRHYTHMIA. Termos como
RHETINOICO, RHETINOIDE e RHOMBOIDE se incluem nessa categoria.


Affora taes casos de hellenismo, vejamos onde cabe um "CT" e onde a
palavra se grapha como "RET...", a exemplo de RETAGUARDA, RETICENCIA,
RETICULA ou RETINA.


RETAGUARDA vem do italiano RETROGUARDIA, como RETABULO do latim
RETROTABULUM. RETICENCIA vem do latim RETICENTIA e RETICULA vem de
RETICULUM. RETINA vem de RETE/RETIS (rede de vasos sanguineos).


Todos os demais casos (RECTANGULO, RECTOSCOPIO, RECTIFICA, RECTIDÃO,
RECTICORNEO, RECTIFLORO etc.) são correlatos ao graphema "RECT" que
occorre em palavras como CORRECTO, DIRECTO, INSURRECTO, RESURRECTO,
entre outras, dahi por que são equivalentes, em portuguez, os graphemas
"ECT" e "EIT" de DIRECTO e DIREITO, AFFECTO e AFFEITO, OBJECTAR e
SUBJEITAR, PROVECTO e PROVEITO, CIRCUMSPECTO e SUSPEITO, evidenciando
que a lettra "C" é tão indispensavel quanto o "I" em FACTO e FEITO,
SATISFACTORIO e SATISFEITO, sendo indevidas as graphias "CORRETO" ou
"AFETO" que os reformistas nos tentam impor.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


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sábado, 2 de julho de 2016

JULHO/2016: ANNOITESCERÁ ADVERMELHADO E ADMANHESCERÁ ALLARANJADO



Desta vez é o leitor Affonso quem me traz suas duvidas. A primeira é
sobre seu proprio nome: lembrando o caso do leitor Euclydes (que se
differenciava do grego Euclides), Affonso me indaga o motivo pelo qual o
mesmo nome apparesce com "PH" em Alphonso. Sua curiosidade se aguçou
depois que commentei aqui sobre os casos em que o "PH" não deve ser
confundido com o "F". Outra questão levantada pelo Affonso é a seguinte:


- Você escreve o verbo ADMANHESCER com o prefixo "AD", mas ANNOITESCER
com geminação do "N". Explique-me essa differença, Glauco, e tambem
sobre outros verbos começados por "AD".


Optimo, Affonso, você tocou em ponctos interessantes. Começando pelos
verbos, recapitulemos a historia toda de maneira bem objectiva. Antes
das reformas phoneticas da decada de 1940 (aqui e em Portugal), vigorava
na lingua portugueza um systema informal dicto "mixto", que dava ao
escriptor larga liberdade para adoptar (ou não) alguns graphemas mais
complexos, alem daquelles tradicionalmente acceitos. Assim, ao lado de
expressões como GRAMMATICA, PSYCHOTHERAPIA, DACTYLOGRAPHIA, PHILOSOPHIA,
MYTHOLOGIA, MATHEMATICA, RHETORICA, PHYSICA, CHYMICA, BELLAS LETTRAS ou
SCIENCIAS EXACTAS, que mantinham as lettras duplas e mudas, bem como o
"Y", o "PH", o "TH", o "RH" e o "CH" (com valor de "QU"), varias outras
palavras podiam ser simplificadas, como CHARTA, PHANTASIA, QUATTRO ou
SANCTO, que ja apparesciam nos textos mais descuidados como CARTA,
FANTASIA, QUATRO e SANTO. Até intellectuaes respeitaveis incorriam nesse
relaxamento, talvez por commodismo, talvez por desattenção.


O mesmo se dava com o suffixo "ESCER" dos verbos inchoativos, que ora
seguiam a matriz latina, como em EFFERVESCER, ora seguiam um criterio
dicto "vernaculo", como em EMMAGRECER. Quanto ao prefixo "AD", era
mantido em verbos herdados do latim, mas substituido por um "A"
prothetico nos verbos formados ja no portuguez. Assim, ACCRESCER
[AD+CRESCER] mantinha a assimilação geminada, mas ACREDITAR
[A+CREDITO+AR] não obedescia a mesma logica, como APPROVAR [AD+PROVAR]
em relação a APROVEITAR [A+PROVEITO+AR]. Para augmentar a confusão, nem
sempre o prefixo "AD" soffria assimilação geminativa, como deante das
consoantes "J", "M", "Q" ou "V", mas taes excepções não eram
arbitrarias, pois estavam consolidadas nas novilatinas e até no inglez.
Assim, balanceando a relação entre o "AD" e o "A" prothetico, tinhamos
um quadro verbal deste typo:


ABBREVIAR geminava, mas ABRAZILEIRAR não;
ACCOMMODAR geminava, mas ACARIOCAR não;
ADDICIONAR geminava, mas ADEANTAR não;
AFFIRMAR geminava, mas AFRANCEZAR não;
AGGREGAR geminava, mas AGUARDAR não;
ADJECTIVAR juxtapunha, mas AJUNCTAR não seguia o criterio;
ALLITTERAR geminava, mas ALINHAR não;
ADMINISTRAR juxtapunha, mas AMESTRAR não seguia o criterio;
ANNOTAR geminava, mas ANOITECER não;
APPOR geminava, mas APORTUGUEZAR não;
ADQUIRIR juxtapunha, mas AQUINHOAR não seguia o criterio;
ATTRAHIR geminava, mas ATRAVESSAR não;
ADVERTIR juxtapunha, mas AVENTURAR não seguia o criterio.


Ora, a reforma nivelou tudo por baixo e eliminou quaesquer geminações
(menos RR e SS, como em ARRISCAR ou ASSENHORAR), mas os indecisos
academicos se exquesceram de padronizar os inchoativos, mantendo alguns
verbos em "ESCER" ao lado de outros em "ECER". Que faço eu? Padronizo
tudo, mas na direcção opposta à da pretensa simplificação: alem de
restaurar aquillo que os reformistas aboliram, adoptei "ESCER" em todos
os casos, egualando aquelles como AGGRADESCER e EMMUDESCER àquelles como
ACCRESCER e EFFERVESCER. Quanto ao "A" prothetico dos verbos
approximativos (ou assimilativos, como queiram), troquei-o por "AD" até
nos casos typicamente vernaculos, como ABBRAZILEIRAR, ACCARIOCAR,
ADJOELHAR, ADMINEIRAR, APPORTUGUEZAR, ADVERMELHAR etc. Isso explica a
juxtaposição nos casos em que a regra a exige, como ADJUNCTAR, ADMESTRAR
ou ADVENTURAR. No caso de ACQUINHOAR (como em ACQUIESCER), o "AD" se
converte em "AC". Dahi por que, ao lado de ANNOITESCER, obrigo-me a
graphar ADMANHESCER e não "AMMANHESCER", forma inexistente no idioma.


Approveitando a deixa, restaurei o rigor orthographico tambem naquelas
palavras que o systema mixto mantinha numa morphologia meia bocca, taes
como DITHONGO ou CHIMICA, que os phoneticistas reformaram como DITONGO e
QUÍMICA, mas que na forma correcta devem ser DIPHTHONGO e CHYMICA. Em
summa, alem de rigoroso sou coherente, ao contrario dos reformistas de
meia tigela que tiraram o "S" de SCIENCIA mas não tiveram colhão para
propor a consequente forma "CONCIENCIA".


Antes que alguem pergunte que auctoridade tenho eu para systematizar
nossa orthographia, allego que tenho a mesma legitimidade individual
(como escriptor e como estichologo) que tem qualquer academico, por mais
illustre que este seja. Todos somos philologos quando se tracta de zelar
pela integridade da nossa lingua nativa e quando temos conhescimento de
causa para theorizar e practicar aquillo que professamos, ué! Ninguem é
obrigado a me seguir, como ninguem pode me obrigar a escrever de accordo
com um "acordo" com o qual não concordo, ora!


Falta explicar ao Affonso por que alguns de seus xarás se assignam como
Alphonso. Paresce que a origem do nome não é latina, mas visigothica: a
palavra FUNS, latinizada como PHONSUS ou FONSUS, significaria "prompto",
"preparado" ou "apto". Assim, palavras como ADAL (nobre) ou HILDE
(battalha) poderiam ser combinadas para gerar conceitos typo "nobremente
preparado" (ADALPHONSUS) e "prompto para a battalha" (HILDEPHONSUS). Na
forma FONSUS, o prefixo "AD" geraria a assimilação de ADFONSUS para
AFFONSUS, mas na forma PHONSUS o "AD" se alteraria para "AL", talvez por
analogia contracta com ADAL+PHONSUS. O facto é que esse nome passou para
o francez e o inglez com "PH" e para o hespanhol com "F": ALFONSO. Em
portuguez ficou como AFFONSO, que os phoneticistas simplificaram para
AFONSO, obcecados que são contra as lettras duplas. Na practica, os
xarás devem saber que, si forem bem preparados, estarão aptos para
graphar das duas maneiras, ALPHONSO e AFFONSO, com a mesma convicção que
tenho ao graphar Mattoso com "T" geminado.


Portanto, não quero saber quem pintou a Casa Verde. Não accaptarei o
acto dos academicos e, como diria Gil, emquanto a goyabada for feita de
goyaba, escreverei com minha sciencia e minha consciencia, ainda que
annoitesça advermelhado e admanhesça allaranjado, ou por isso mesmo...


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
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sábado, 4 de junho de 2016

JUNHO/2016: PARA GRAPHAR O "F" NÃO TEMOS QUE GARFAR O "PH"



Na postagem do mez passado commentei a questão levantada pelo leitor
Euclydes accerca do emprego do "Y" e do "I" em palavras de origem
grecolatina. Agora commento o uso do "PH" e do "F", complementando a
dica sollicitada por elle.


Si nos hellenismos latinizados a coexistencia do "I" e do "Y" pode
suscitar duvidas, a confusão do "PH" e do "F" só occorre no ambiente
novilatino, uma vez que no grego o "F" não existia. Eis a razão pela
qual actualmente convivemos com vocabulos como EFFEITO ao lado de
EPHEBO, OFFICIO ao lado de OPHIDIO, FETO ao lado de PHOTO, FALLACIA ao
lado de PHILAUCIA ou FRUCTIFERO ao lado de PHOSPHORO. Dahi por que a
melhor dica seria a de que o "PH" só occorre em palavras de origem
grega, emquanto o "F" indica matriz latina. Differenciar umas das outras
exige alguma experiencia, mas sempre são uteis aquellas tabellinhas
mnemonicas que, a exemplo das tabuadas arithmeticas, adjudam a
accostumar o estudante (ou o estudioso) aos casos mais typicos.


Meu DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO traz tabellas mais completas, mas aqui dou
uma admostragem dos casos de latinismos e hellenismos matriciaes que
geram e disseminam derivados pelo idioma. Primeiro a tabella parcial de
latinismos:


FALCI em FALCIFORME, FALCIMALLEO
FASCIO em FASCIOTOMIA
FEITO em AFFEITO, CONFEITO, DEFEITO, EFFEITO, PERFEITO
FENDER em DEFENDER, INFENDER/INFENSO, OFFENDER
FERIR em AFFERIR, CONFERIR, DIFFERIR, INFERIR, PREFERIR, TRANSFERIR
FERO em FRUCTIFERO, GYPSIFERO
FICIO em ARTIFICIO, OFFICIO, ORIFICIO, PASTIFICIO
FIDE [ou FIDEI] em FIDEDIGNO, FIDEICOMMITTENTE
FIDO em MULTIFIDO, PENNATIFIDO
FIGURAR em AFFIGURAR, CONFIGURAR, DESFIGURAR, PREFIGURAR
FILI em FILIFORME, FILIGRANA
FINI em AFFINIDADE, FINIANNUAL, FINISEMANAL, FINISECULAR
FIRMAR em AFFIRMAR, CONFIRMAR
FISSI em FISSIDACTYLO
FIXAR em AFFIXAR, PREFIXAR, TRANSFIXAR
FLABELLI em FLABELLIPEDE
FLAMMI em FLAMMIGERO
FLAVI em FLAVIPEDE
FLIGIR em AFFLIGIR, CONFLIGIR/CONFLICTO, INFLIGIR
FLUCTI em FLUCTISONANTE, FLUCTIVAGO
FLUIR em AFFLUIR, EFFLUIR, INFLUIR, REFLUIR
FLUO em SUPERFLUO, MELLIFLUO
FLUVIO em EFFLUVIO, FLUVIOMETRO
FOLIO em MILLEFOLIO, OPPOSITIFOLIO, QUADRIFOLIO
FORMAR em CONFORMAR, DEFORMAR, PERFORMAR, REFORMAR, TRANSFORMAR
FORMICI em FORMICIVORO
FORMIO em CHLOROFORMIO, LYSOFORMIO
FRAGI em FRAGIFERO
FRAGIO [ou FRAGO] em NAUFRAGIO, OSSIFRAGO
FRATRI em FRATRICIDA
FRIGI em FRIGIFUGO
FRONDI em FRONDICOLA
FRONTAR em AFFRONTAR, CONFRONTAR, DEFRONTAR
FUCI em FUCICOLA, FUCIVORO
FUGO em CENTRIFUGO, HYDROFUGO, VERMIFUGO
FULMINI em FULMINIVOMO
FULVI em FULVIROSTRO
FUMI em FUMIFLAMMANTE, FUMIFUGO
FUNDIR em AFFUNDIR, CONFUNDIR, DIFFUNDIR, INFUNDIR, TRANSFUNDIR
FUNI em FUNIFORME
FURCI em FURCIFORME
FUSCI em FUSCIROSTRO


Note-se que varios exemplos são composições mixtas com hellenismos, como
CHLOROFORMIO, FASCIOTOMIA, FISSIDACTYLO, FLUVIOMETRO, GYPSIFERO e
HYDROFUGO, mas taes hybridismos são opportunos para que attentemos ao
facto de que nem sempre a presença de elementos compositivos gregos
basta para justificar um "PH" em qualquer caso.


A seguir, collo uma tabellinha de affixos gregos iniciados por "PH",
para contrastar com a lista precedente:


PHACO em APHACIA, PHACOPYOSE
PHAGO [ou PHAGIA] em PHAGOCYTOSE, ANTHROPOPHAGO
PHALACRO em PHALACROCARPO
PHALLO em PHALLOCRACIA
PHANERO em PHANEROGAMICO
PHANO em DIAPHANO
PHANTA em HIEROPHANTA, SYCOPHANTA
PHARMACO em PHARMACODYNAMICA
PHASEOLO em PHASEOLIFORME
PHASIA em DYSPHASIA, PARAPHASIA
PHATNIO em PHATNIORRHAGIA
PHELLO em PHELLOGENIO
PHEMIA em EUPHEMISMO, DYSPHEMIA
PHENGO em PHENGOPHOBIA
PHENO em PHENOLOGIA, PHENOMENO
PHEO em PHEODERMICO
PHILO [ou PHILIA] em PHILOSOPHIA, COPROPHILIA
PHLEBO em PHLEBOTOMIA
PHLEO em PHLEOPHAGIA
PHLOGO em PHLOGISTICO
PHLOO em PHLOOPLASTIA
PHOBIA [ou PHOBO] em PHOTOPHOBIA, PHOBOPHOBO
PHOLO [ou PHOLI] em PHOLIDOTO
PHONO em LUSOPHONO, PHONOGRAMMA
PHORESE em ELECTROPHORESE
PHORO em SEMAPHORO, PHOSPHORO
PHOS [ou PHOSIA] em PHOSPHENO, CHROMOPHOSIA
PHOTO em PHOTOPHOBIA, PHOTOMETRO
PHRAGMATO em PHRAGMATOPHORO
PHRAGMO em PHRAGMOSE, DIAPHRAGMA
PHRASE [ou PHRASTICO] em PERIPHRASE, METAPHRASTICO
PHRENO em PHRENOLOGIA
PHRYNO em PHRYNOMORPHO
PHTHIRO em PHTHIRIASE
PHTHISIO em PHTHISIOLOGIA
PHYCO em PHYCOLOGIA
PHYLLO em PHYLLODENDRO, CHLOROPHYLLA
PHYMO [ou PHYMATO] em PHYMATOSO
PHYRO em GRANOPHYRO
PHYSIO [ou PHYSE] em PHYSIOTHERAPICO, APOPHYSE
PHYTO em PHYTOCHYMICA, PHYTOTHERAPIA


Obviamente não estou aqui suggerindo que listas desse typo sejam
guardadas na poncta da lingua (ou dos dedos), mas quem as consulta e
reconsulta vae se lembrar de que FALLO (verbo FALLAR) não se escreve
como PHALLO (penis), nem FACA como PHOCA, nem FRAGMENTO como DIAPHRAGMA,
nem AFRODESCENDENTE como APHRODISIACO, nem DESAFFORO como APHORISMO.


Outros paradigmas são mencionados no MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de
Julio Nogueira, do qual transcrevo o trecho pertinente, resalvados os
apponctamentos finaes, ja que nosso querido Nogueira nunca excappa de
algum quinau da parte dos que prezam uma escripta rigorosa e coherente.


{O digramma "PH" representa o "PHI" grego, de que foi transcripção
latina. Apparesce como inicial em muitas palavras: PHAGOCYTO, PHALANGE,
PHALENA, PHARMACIA, PHAROL, PHARYNGE, PHASE, PHENICO, PHENIX, PHENOMENO,
PHLEBITE, PHLEGMÃO (popularmente FLEIMÃO), PHLEUGMA, PHILTRO, PHOCA,
PHOSPHORO, PHRASE, PHRYGIO, PHYLLOXERA, PHYSICA, PHYSIOGNOMIA,
PHYSIOLOGIA, e corradicaes de todas essas palavras, alem de grande
numero de palavras eruditas applicadas às sciencias e às artes.


Do elemento PHONÉ (voz) apparesce em PHONEMA, PHONETICA, PHONOLOGIA,
GRAMMOPHONE, PHONOGRAPHO, TELEPHONE, APHONIA, ANTIPHONA, SYMPHONIA, etc.


Do elemento PHILOS (amigo), em: PHILHARMONICA, PHILANTHROPO, PHILAUCIA,
PHILOLOGIA, PHILOSOPHIA, PHILATELIA, THEOPHILO, PHILIPPE, HYDROPHILO,
BIBLIOPHILO, etc. E alguns hybridismos, como: FRANCOPHILO, GERMANOPHILO,
etc.


Do elemento GRAPHO (eu escrevo), em: GRAPHIA, ORTHOGRAPHIA, NEOGRAPHIA,
CACOGRAPHIA, GRAPHOLOGIA, GEOGRAPHIA, CHOROGRAPHIA, OCEANOGRAPHIA,
PHONOGRAPHO, TELEGRAPHO, HIEROGRAPHIA, PHOTOGRAPHIA, LITHOGRAPHIA.


Do elemento MORPHÉ (forma), em: MORPHOLOGIA, MORPHOGENIA, MORPHEMA,
MORPHEU, MORPHINA (MORPHINOMANO), AMORPHO.


Do elemento PHOTÓS (luz) em: PHOTOGRAPHIA, PHOTOTYPIA, PHOTOMETRO,
PHOTOPHOBIA.


Do elemento PHAG (de PHAGEIN, comer), em: PHAGOCYTO, ANTHROPOPHAGO,
GEOPHAGO (que come terra).


Do elemento KEPHALÉ (cabeça), em: CEPHALALGIA, ENCEPHALO, ACEPHALO,
MACROCEPHALO, MICROCEPHALO, HYDROCEPHALIA, BUCEPHALO (cabeça de boi. Era
o nome do cavallo de Alexandre).


Do elemento PHÓBOS (medo, horror, adversão), em: PHOBIA, HYDROPHOBIA,
XENOPHOBIA (adversão ao extrangeiro), PHOTOPHOBIA.


No corpo da palavra são innumeras as vezes em que apparesce o "PH":
APHASIA, APHELIO, APHORISMO, APHTHA, APOCRYPHO, APOSTROPHE, OPHIDIO,
OPHTHALMIA, ELEPHANTE, NYMPHA, LYMPHA, DELPHIM, PORPHYRO. O esquecimento
prosodico se deu em PHTHISICA pelo que ora se representa ainda o "TH"
correspondente ao theta: THISICA, ora se reduz a palavra a TISICA, forma
que ja nos paresce preferivel. Outro tanto cabe dizer em relação a
DIPHTHONGO, TRIPHTHONGO, que escrevemos DITONGO, TRITONGO. Somente os
irreductiveis hellenizantes pronunciam ainda hoje TRIFTONGO, DIFTONGO. O
digramma "PH" reduziu-se a "F" em FAISÃO (PHASIANA, ave do rio Phasis)
em FEIJÃO (PHASEOLUS, emprestimo do grego). Ha tendencia pronunciada
para escrever FANTASIA, FANTASMA, FRENESI, FRENETICO, formas ja hoje
preferiveis. Quanto a FANAL esta deve ser a graphia, ja auctorizada pela
transcripção do baixo latim FANALE. Ainda não se generalizou a escripta
FRASE.}


Começando pelo fim, replico que PHRASE com "F" é coisa que jamais
poderia se "generalizar", a menos que, ja na decada de 1920, Nogueira
acceitasse duma vez a reforma que, infelizmente, accabou sobrevindo em
1943. Si Nogueira não se posiciona entre os que chama de "irreductiveis
hellenizantes", eu me posiciono entre os irreductiveis militantes
etymologistas que escrevem PHTHISICA e DIPHTHONGO com a maior convicção.
Va la que alguns de nós não façamos questão de graphar PHAISÃO, PHLEIMÃO
ou PHEIJÃO, mas não podemos abrir mão de PHANTASIA, PHANTASMA ou
PHRENESI, absolutamente. Quanto ao baixo latim, Nogueira o invoca para
justificar uma simplificação, mas quando se tracta de invocar
etymologismos consuetudinarios para justificar uma forma estheticamente
melhor, como CALIPHA ou CAMPHORA (bem como COLYSEU ou SEPULCHRO), ahi
elle vem dizer que são fontes illegitimas. Até paresce vicio ideologico
esquerdizante, livrae-nos Zeus! Apesar de tudo, nosso Nogueirinha
permanesce digno de carinhosa memoria, que Zeus o tenha.


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sábado, 30 de abril de 2016

MAIO/2016: MYTHICO LABYRINTHO ETYMOLOGICO





Accabo de ganhar novo leitor deste bloguinho de notas, que é novo tambem
na edade, 22 annos. Chamado Euclydes, traz-me duas questões que,
comquanto ja tractadas exhaustivamente por mim, aqui e alhures, merescem
ser sempre... renovadas. A primeira diz respeito ao emprego do "Y"; a
segunda, do "PH". O joven enthusiasta da etymographia me pede algumas
dicas para, segundo elle, mappear os "neophytos" no "labyrintho grego"
da "mythologia etymologica", como define a nossa matriz grecolatina.


Quanto ao "PH", deixo para a proxima postagem a dica sollicitada. Quanto
ao "Y", farei agora uma abbordagem bem didactica. A curiosidade do
Euclydes nasceu de seu proprio nome, ja que foi baptizado assim em
homenagem ao escriptor Euclydes da Cunha. Occorre que elle verificou, ja
na faculdade, que agraphia correcta seria EUCLIDES e ficou confuso.
Affinal, o auctor de OS SERTÕES viveu na phase em que a etymographia era
vigente. Como poderiam ter errado ao registrar seu nome em chartorio,
numa epocha em que o nivel de escholaridade dos funccionarios lettrados
devia ser mais elevado? Boa pergunta, mas tractando-se de Brazil sempre
houve gente despreparada occupando cargos por appadrinhamento ou, como
se dizia, "pistolão", coisa que paresce não ter mudado nos nossos tempos
de alto QI (Quem Indica), não é mesmo?


Para responder ao Euclydes, começo lembrando o caso do professor
Zerbini, famoso cardiologista, pioneiro dos transplantes no Brazil. Seu
prenome era Euryclides. Note-se que a palavra é composta de dois affixos
gregos e o "Y" só occorre no primeiro delles, EURY, que significa
"largo" ou "extenso". Meu DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO traz um glossario
desses affixos. Pois bem: segue-se que o nome de EUCLIDES (em grego
EUKLEIDES) tambem é composto de dois elementos, sendo o primeiro EU (que
significa "bom") mas não sendo o segundo o mesmo CLIDO que significa
"clave" ou "chave" e sim KLEOS, que significa "gloria". Fazem sentido,
pois, as traducções de "ampla gloria" para EURYCLIDES e de "boa gloria"
para EUCLIDES. A confusão na graphia de EUCLIDES tem ao menos uma
utilidade: distinguir os adjectivos EUCLIDEANO (referente ao mathematico
Euclides) e EUCLYDEANO (referente ao escriptor Euclydes da Cunha), para
effeitos estrictamente theoricos. Na practica, o que interessa é
introduzir alguem no universo philologico, de modo a preparal-o para
discernir de prompto quando uma origem grega justifica a graphia com "Y"
em logar de "I".


Antes de proseguir, transcrevo o trecho que tracta do "Y" no MANUAL
ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de Julio Nogueira, ao qual sempre tenho de
fazer varios reparos:


{Esta lettra appresenta, mais ou menos, a forma que tinha o "ypsilon"
grego maiusculo (Y). O seu valor originario era o de um "U" francez ou
de um "Ü" allemão. No romaico ou grego moderno confunde-se com o de um
"I". No portuguez foi sempre o de um "I", dando occasião a duvidas
graphicas. Na graphia anteclassica o "Y" representava o duplo "I":
CORREYO, FEYO etc., como no francez PAYER. O "upsilon" foi transcripto
por "Y" no latim, de onde directamente nos provêm as palavras em que
figura, alli ja existentes. Algumas vezes foi transcripto por "U", como
em MURTA (tambem MYRTA), TUMBA e, mais raramente ainda, por "V":
EVANGELHO. Em syllaba inicial é precedido do "H", indicando esta lettra
a aspiração constante do "ypsilon" grego. O "H", neste caso, é mais um
signal, um espirito, do que uma lettra, "Spiritum magis quam litteram
dici opportet" (Aulo Gellio). Daquella convenção resultam as graphias
HYDRA, HYENA, HYMNO etc. Esta aspiração desapparesceu ja no latim,
ficando, porem, o "H" inicial como um simples indicio etymologico. É
caso singular a falta de aspiração inicial na propria palavra grega
YPSILON, o nome da lettra, razão por que não a escrevemos com "H". No
corpo da palavra dá-se ainda a transcripção do "ypsilon" por "Y":
ABYSMO, CYNICO, DYNAMITE, ESTYLETE, ESTYLO, GYNECEU, IDYLLIO, LYRA,
LYRICO, ONYX, PORPHYRO, TYMPANO, TYRANNO, etc. Está oblitterado em
ANEURISMA, forma que se generalizou. O desconhescimento desses preceitos
tem determinado o emprego erroneo do "Y" em palavras como: COLISEU,
ECLIPSE, ENIGMA, ESTIGMA, ESPHINGE, LIRIO, GIRIA, OLIGARCHIA, SATIRA
(por confusão com SATYRO), SIPHÃO e outras onde tal lettra não tem razão
de ser. Em casos de digraphia determinados pelo uso é preferivel "I":
LAGRIMA, GIRO, GIRAR, GIROSCOPIO. O "Y" mantem-se no portuguez em
palavras de origem ingleza ou que nos vieram por intermedio do inglez:
YANKEE, YACHT, JOCKEY, TILBURY, PENNY, WHISKY, JURY, DANDY, RAILWAY,
TRAMWAY, BOY-SCOUT, etc. Apparesce ainda o "Y" em palavras de outras
linguas: YATAGAN, BEY (turco). Por uma convenção pouco acceitavel o "Y"
entrou para a graphia de palavras da lingua tupy. Ha nesta um "I"
guttural, que, sem correspondente na nossa phonologia, ora foi
transcripto por "I", ora por "Y", ora por "U". O visconde de
Beaurepaire-Rohan menciona o facto de existir aqui a freguezia de
Guaratyba e no Paraná, a villa de Guaratuba, quando estes dois vocabulos
são a mesma cousa pela origem e significação. O "Y" deveria corresponder
a esse "I" guttural que Montoya representa por um "I" latino com o
signal de breve, Anchieta, por um "I" com um poncto subscripto e por
"IG", no fim da palavra. Deu-se, porem, a confusão e o "Y" apparesce em
palavras como TUPY, GUARANY etc.}


Commentemos, então, os ponctos annotados por Nogueira e, em seguida,
farei minha synthese do assumpto. Em primeiro logar, lembremo-nos de que
Nogueira, embora contrario às reformas phoneticistas, fazia concessões a
uma simplificação que nós, etymologistas, não acceitamos. Assim, o "Y"
de ANEURYSMA só foi "oblitterado" por quem quiz engolir tal
"oblitteração", pois na phase prequarentista nenhuma lei obrigava (nem
desobrigava) ninguem a adoptar um systema dicto "mixto", que mesclava
formas mais ou menos rigorosas. ANEURYSMA leva "Y" tanto quanto ABYSMO
ou CATACLYSMA (tambem na forma CATACLYSMO), inquestionavelmente.
Portanto, em casos de digraphia é preferivel, isto sim, o "Y" ao "I",
como em GYRO, GYRATORIO, LAGRYMA ou LACRYMOGENEO. Quanto a COLYSEU, o
simples facto de que, em algum momento, tenha havido a forma latina
COLYSEUS (ainda que "medieval") é o sufficiente para que a acceitemos
como succedanea da original COLOSSEUM. Quanto a SATYRA, ja expliquei,
neste mesmo blog, que é tão latina quanto SATURA ou SATIRA:


{Succede que, no alphabeto romano, as lettras "U" e "V" eram
representadas só pelo "V", donde a graphia AVGVSTVS para AUGUSTUS. Ora,
a pronuncia do upsilon grego era semelhante ao "U" francez ou ao "Ü"
allemão, soando como uma fusão de "U" e "I". Dahi a solução latina de
collocar um "V" sobre um "I", creando a lettra que passaria a ser
chamada de ypsilon. Todos os graphemas que passaram do grego ao latim e
à actualidade foram translitterados assim, como CYCLO, DYNAMO, HYDRO,
KYSTO, LYRA, MYTHO, NYMPHA, PSYCHO, RHYTHMO, SYNTHESE ou TYPO. Algumas
formas, porem, permanesceram oscillantes, vacillando entre uma e outra
vogal, como em MURTA e MYRTA. É o caso de SATYRUS que, na accepção
feminina SATYRA, mixturou SATURA e SATIRA para designar a miscellanea
poetica a serviço da mordacidade e da malicia. SATURA tem a ver,
inclusive, com o verbo SATURAR. Evidentemente, o correcto seria
preservar a transcripção SATYRA, com os respectivos cognatos SATYRICO e
SATYRISTA, ao lado de SATYRISMO e SATYRIASE, referentes a SATYRO. Assim
fez Bilac quando, em seu TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO, graphou SATYRA para
alludir à poesia mordazmente critica. Aqui me penitencio por ter dicto
que elle havia commettido um equivoco e ja registrei a resalva no meu
diccionario. O problema é que os maldictos phoneticistas sempre forçam a
barra para nos induzir ao erro, quando affirmam categoricamente,
inclusive em diccionarios de larga credibilidade, que SATYRO nada teria
a ver com SATIRA. Cumpre-nos desmascarar taes manobras, que escamoteiam
a verdade historica a serviço da malfadada simplificação pretendida
pelos reformistas da orthographia. Pau nelles!}


Nem me detenho na questão dos tupynismos, pois estou com José de
Alencar, Theodoro Sampaio e outros auctores que sacramentaram aquella
convenção que Nogueira chama de "pouco acceitavel" mas que eu considero
plenamente acceitavel. Passemos, pois, ao poncto que nos interessa, que
é o caminho mais curto para nos habituarmos ao "Y" dos hellenismos. Tal
como numa tabuada arithmetica, a memorização é indispensavel a um
vocabulario basico, seja no quotidiano ou no meio scientifico. Termos
como CYCLO, HYPO ou TYPO são fundamentaes, inclusive nas formas
derivadas como BICYCLETA, ENCYCLOPEDIA, RECYCLAGEM, HYPOTHESE,
HYPOGLYCEMIA, TYPOGRAPHIA, ESTEREOTYPO ou LINOTYPIA. Sempre chamo a
attenção para a differença entre as palavras HYPOTHESE e HIPPODROMO, que
os phoneticistas confundem na forma simplificada "HIPÓ..." mas que nossa
boa orthographia preserva. Abbaixo listo cem matrizes characteristicas
que integram um glossario mais completo, constante do meu DICCIONARIO
ORTHOGRAPHICO.


ABYSSO "precipicio" em ABYSSOPHOBIA, ABYSSAL
AMBLY "fracco", "molle" em AMBLYOPIA, AMBLYGONO
ARGYRO "prata" em ARGYROCRACIA, HYDRARGYROPHOBIA
BARY "pesado", "grave" em BARYPHONICO, BARYTONO
BATHY "profundo" em BATHYSPHERA, BATHYSCAPHO
BRACHY "curto" em BRACHYCEPHALO, BRACHYCARPO, BRACHYDACTYLO
BRADY "lento" em BRADYCARDIA, BRADYPHASIA
BUTYRO "manteiga" em BUTYROMETRO, BUTYRACEO
CALYPTO "coberto" em CALYPTOBRANCHIO, EUCALYPTO
CAMPYLO "curvo" em CAMPYLOTROPO, CAMPYLOPHYTO, CAMPYLOMORPHO
CHLAMYDO "manto", "involucro" em CHLAMYDOSPORIO, DICHLAMYDEO
CHRYSO "ouro" em CHRYSOGRAPHIA, CHRYSOSTOMO
CHYLO "succo" em CHYLOPHYLLO, CHYLOPHYTO
CHYMIO "liquido", "succo" em CHYMIOTHERAPIA, ALCHYMIA, CHYMICA
CLYSE [ou CLYSMO] "lavagem" em AUTOCLYSE, AUTOCLYSMO, HYSTEROCLYSE
CONCHYLIO "concha" em CONCHYLIOLOGIA, CONCHYLIOPHORO
CONDYLO "inchaço" em CONDYLOMATOSO, EPICONDYLIANO
CORYPHO "cume", "cymo" em CORYPHODONTE, CORYPHEU
COTYLO "cavidade", "vaso" em COTYLOPHORO, COTYLEDONE
CRYO "frio" em CRYOSTATO, CRYOPHOBIA [ou PSYCHRO]
CRYPTO "occulto" em CRYPTOGRAMMA, CRYPTOCOMMUNISTA, CRYPTONYMO
CYANO "azul" em CYANOCEPHALO, CYANICORNEO
CYCLO "redondo", "circular" em CYCLOTHYMICO, TRICYCLO [ou GYRO]
CYGNO "cysne" em CYGNOPHILIA, CYGNOPHOBIA
CYNO "cão" em CYNOCEPHALO, CYNOPHILO
CYSTO "bexiga", "bolha" em CYSTITE, FIBROCYSTO, CYSTICERCO
CYTO "cellula" em LEUCOCYTO, PHAGOCYTOSE
DACTYLO "dedo" em PTERODACTYLO, DACTYLOGRAPHIA
DIDYMO "duplo", "gemeo" em DIDYMOCARPO, PYGODIDYMO
DIPHYO "duplo" em DIPHYODONTE [ou DIDYMO]
DORY "arvore", "galho", "lança" em DORYOPTERO, DORYTOMO
DYNAMO "força", "potencia" em DYNAMOMETRO, DYNAMITE
DYS "falta", "difficuldade" em DYSLEXIA, DYSFUNCÇÃO, DYSPEPSIA
ELYTRO "involucro", "vagina" em ELYTRORRHAGIA, ELYTRITE
EMBRYO "feto" em EMBRYOLOGIA, EMBRYONARIO
ERYTHRO "vermelho" em ERYTHROCARPO, ERYTHROCYTO
ESPONDYLO "vertebra" em ESPONDYLOSE, ESPONDYLOZOARIO
ETYMO "verdadeiro", "certo" em ETYMOLOGIA, ETYMOGRAPHIA
EURY "largo", "extenso" em EURYCEPHALO, EURYCLIDES
GEPHYRO "atterro", "ponte" em GEPHYROPHOBIA
GLYCO "doce" em GLYCOSE, HYPOGLYCEMIA
GLYPHO "gravar", "entalhar" em HIEROGLYPHO, LITHOGLYPHIA
GONY "joelho" em GONYALGIA, GONYCELE
GRYPHO "rede", "malha" em LOGOGRYPHO, GRYPHAR
GYMNO "nudez" em GYMNOSPERMA, GYMNASTICA
GYNO [ou GYNECO] "mulher" em MISOGYNO, GYNECOLOGIA
GYPSO "gesso", "molde" em GYPSOGRAPHIA, GYPSIFERO
GYRO "circulo", "rotação" em GYROMANCIA, AUTOGYRO [ou CYCLO]
HYALO "vidro" em HYALOGRAPHIA, HYALOPHOBIA
HYDRO "agua" em HYDROMETRO, DESHYDRATAR [ou LYMPHO]
HYGIO "saudavel" em HYGIOLOGIA, HYGIENICO
HYGRO "molhado" em HYGROPHOBIA, HYGROMETRO
HYPER "accyma" em HYPERACIDEZ, HYPERBOLE, HYPERTENSÃO
HYPNO "somno" em HYPNOTISMO, HYPNOPHOBIA
HYPO "abbaixo" em HYPOCRITA, HYPOGASTRICO, HYPOTHESE
ICHTHYO "peixe" em ICHTHYOLOGO, ICHTHYOPHAGO
LARYNGO "garganta" em LARYNGOGRAPHIA, LARYNGOPHONIA
LYCO "lobo" em LYCOPODE, LYCANTHROPIA
LYMPHO "agua" em LYMPHORRHAGIA, LYMPHATICO [ou HYDRO]
MERYCO "ruminante" em MERYCOLOGIA, MERYCISMO
MOLYBDO "chumbo" em MOLYBDATO, MOLYBDENIO, MOLYBDOMANCIA
MYCO "fungo" em MYCOBACTERIA, MYCOSE
MYELO "medulla" em MYELOGRAMMA, MYELOMA
MYO "musculo" em MYOGRAPHIA, MYOCARDIO, MYALGIA
MYRIA "muitos" em MYRIAMETRO, MYRIAPODE
MYRMECO "formiga" em MYRMECOPHAGO, MYRMECOPHOBIA
MYTHO "fabula" em MYTHOLOGIA, MYTHOMANIA
NYCTO "noite" em NYCTOPHOBIA, NYCTURIA
NYMPHO "noiva" em NYMPHOMANIA, NYMPHOPHOBIA
ODYNIA [ou ODYNO] "dor" em ANODYNO, CRYMODYNIA
ONYCHO "unha" em ONYCHOMANCIA, ONYCHOPHAGIA
ONYMO "nome" em PSEUDONYMO, SYNONYMO
ORYZO "arroz" em ORYZOPHAGO [ou RYZI]
OXY "agudo", "acido" em OXYMORO, INOXYDAVEL
PACHY "espesso" em PACHYDERME, PACHYCEPHALO
PECHY "cotovello" em PECHYAGRA, PECHYALGIA
PHYLLO "folha" em PHYLLODENDRO, CHLOROPHYLLA
PHYSIO [ou PHYSE] "natureza", "character" em PHYSIOTHERAPICO, APOPHYSE
PHYTO "planta" em PHYTOCHYMICA, PHYTOTHERAPIA
PLATY "chato", "largo" em PLATYPODE, PLATYCEPHALO
POLY "numeroso" em POLYSEMIA, POLYTHEISMO, POLYSYLLABO
PORPHYRO "purpura" em PORPHYROLITHO, PORPHYRIO
PRESBY "velho", "senil" em PRESBYOPIA, PRESBYPHRENIA
PSYCHO "espirito", "mente" em PSYCHOPATHIA, PSYCHOSOMATICO
PSYCHRO "frio" em PSYCHROMETRO, PSYCHROPHOBO [ou CRYO]
PTYALO "saliva" em PTYALAGOGO, PTYALINA
PYGO "nadega", "trazeiro" em CALLIPYGIO, PYGODIDYMO
PYO "puz" em PYORRHAGIA, EMPYOSE
PYRO "fogo" em PYROTECHNICO, PYROMANIACO
RHYNCHO "bicco" em RHYNCHOCEPHALO, ORNITHORHYNCHO
RYZI "arroz" em RYZICULTOR [ou ORYZO]
SYM [ou SYN] "com", "juncto" em SYMPATHIA, SYNTONIA
TACHY "rapido" em TACHYGRAPHO, TACHYCARDIA
THYMO "emoção", "affectividade" em CYCLOTHYMICO, DYSTHYMICO
TYLO "callo" em TYLOSE, TYLOPODE
TYPHLO "cego" em TYPHLOGRAPHIA (Braille)
TYPO "marca", "impressão" em TYPOGRAPHIA, ESTEREOTYPO
TYRO "queijo" em TYROMANCIA, TYROPHAGO
XYLO "madeira" em XYLOGRAVURA, XYLOPHONE
ZYMO "fermento" em ZYMOTHERMIA, AZYMO, ENZYMA


Em summa, nem todo som de "I" em palavra de origem grega precisa levar
um "Y", mas os casos mais relevantes a gente accaba sabendo de cor:
APOCALYPSE tem, mas ECLIPSE não; POLYGRAPHO tem, mas POLITICO não;
ANEURYSMA tem, mas CHARISMA não; HYPOCRITA tem, mas HIPPOCRATES não;
PODOPHYLLO tem, mas PODOPHILO não; CYNOPHILO tem, mas CINEPHILO não;
TYRANNICO tem, mas TITANICO não; GYPSIFERO tem, mas CHIASTOLIFERO não,
lembrando que, neste ultimo exemplo, o pospositivo FERO é de origem
latina.


O importante é ter em mente que a quantidade de vocabulos desse typo é
muito menor que a de latinismos de uso corrente, o que significa maior
desempenho mnemonico em pouco tempo para quem ainda não tem a practica
diuturna da escripta etymologica. Nada, portanto, que desestimule um
orthographo principiante como o nosso Euclydes. Na proxima postagem
tractaremos do "PH".


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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sábado, 2 de abril de 2016

ABRIL/2016: ANTHROPOPHAGIA SIM, MAS COMMEDIMENTO NA COMIDA



Um internauta que, como eu, é fascinado por quaesquer opportunidades de
justificar o emprego de consoantes geminadas, questiona-me si, com base
nas formas italianas ALLEGRO ou COMMEDIA, não seria o caso de, por
analogia, adoptarmos taes geminações nos equivalentes portuguezes ALEGRE
e COMEDIA. E elle extende ao inglez sua hypothese, citando palavras como
MULATTO e TOBACCO, para propor que usemos lettras duplicadas nas formas
lusophonas MULATO e TABACO.


Para responder, tenho que ir por partes. O italiano é um idioma
historicamente mais phonetico que etymologico, como tantas vezes ja
lembrei. O facto de que na Italia existam verbos como APPLAUDIRE ou
SUPPLICARE, parentes directos dos nossos APPLAUDIR e SUPPLICAR, não nos
auctoriza a suppor que la elles preservem certas duplicações por amor à
etymologia. Os italianos tambem usam dois "LL" em ALLEGORIA, como nós,
mas não são os mesmos dois "LL" que utilizam na palavra ALLEGREZZA,
equivalente da nossa ALEGRIA, que, ao contrario de ALLEGORIA, não tem
origem grega e sim latina. Note-se que, alem dos dois "LL", a palavra
leva dois "ZZ", indicando uma funcção nitidamente prosodica e não uma
preoccupação propriamente orthographica. Para complicar um pouco as
coisas, reconhesço que, no nosso vernaculo, tambem se registra a forma
historica ALLEGRE, mas a origem tem a ver com ALACRIDADE e com o
adjectivo ALACRE, sempre com um só "L" nas fontes latinas. Voltando à
questão inicial, não é porque o italiano escreve REPUBLICA com dois "BB"
que vamos imitar tal practica, a qual é peculiar apenas àquella lingua.
Nossas bases etymologicas precisam ter um minimo de sustentação em
parallelismos com outros idiomas derivados do latim e do grego, como no
caso de vocabulos typo APPLAUSO, SUPPLICA ou ALLEGORIA, mas em casos
como COMEDIA (latim COMOEDIA) ou ALEGRE (latim ALACRIS/ALECRIS) não vejo
motivos para forçar a barra. Quanto às formas anglophonas MULATTO e
TOBACCO, a primeira vem do proprio portuguez, onde só leva um "T", e a
segunda do hespanhol, onde só é graphado com um "C". As duplicações "TT"
e "CC" vão, no caso, por compta dos mechanismos prosodicos do proprio
inglez. Acho que não seria o caso de, meramente por espirito imitativo,
seguirmos esses parametros. Sou o primeiro a suggerir geminações
plausiveis e fundamentadas, como em ABBRAÇO ou TORNOZELLO, mesmo quando
não accolhidas pelos lexicographos mais referenciaes, mas não posso
cahir em temptações appressadas. Sempre recommendo uma adveriguação
etymologica para cada palavra extrangeira que queiramos confrontar com
uma equivalente nossa. Como ninguem precisa ter em casa os principaes
diccionarios de cada idioma, a solução mais practica e technica dos
tempos actuaes é mesmo o cyberespaço, lembrando que, na internet, convem
quotejar duas ou mais fontes antes de tomar alguma informação por
fidedigna. Ao meu attento leitor, que ja se alegrava com uma comedia
mais feliz, suggiro que applaudamos as espectaculares scenas graphicas
deste nosso phantastico idioma e não suppliquemos que os philologos
approvem appropriações extranhas só por causa da belleza (e não da
BELLEZZA) das formas italianas. Calma, que o Brazil com "Z" sempre foi
nosso, antes de ser inglez...


Outro internauta, sciente da minha opinião liberal quanto ao
apportuguezamento de extrangeirismos, indaga-me accerca de certos
derivados do inglez. Pergunta elle: si temos, de ROCK, ROCKEIRO, como
seria o equivalente de RAP, RAPEIRO ou RAPPEIRO? O proprio ROCKEIRO
poderia ser ROQUEIRO? E o MARKETEIRO, poderia ser MARQUETEIRO? E o verbo
ESCANNEAR, deveria ser ESCANEAR? E os verbos XEROCAR e SAMPLEAR? Quer
que eu opine sobre tudo isso e faça um appanhado.


Então vejamos. Em principio, defendo a liberdade de excolha do escriptor
quanto à adopção do anglicismo original ou duma forma apportuguezada. Ja
fiz algumas resalvas para certos casos com os quaes implico, como o
injustificavel termo HASHTAG, mas tirando as idiosyncrasias não sou de
xenophobias linguisticas. Assim, para mim tanto faz escrevermos SPORT ou
STRESS como SPORT ou ESTRESSE. Nada de problematico, portanto, quanto a
derivados como ESPORTISTA [ESPORT(E)+ISTA] ou ESTRESSAR [ESTRESS(E)+AR],
ja que o "miolo" original permanesce intacto. No caso de ROCK+EIRO,
prefiro manter o digramma "CK" e grapho ROCKEIRO em vez de ROQUEIRO. No
caso de RAP+EIRO, prefiro RAPEIRO mesmo e não RAPPEIRO (de RAPPER).
Entre MARKETEIRO e MARQUETEIRO, prefiro com "K", mais fiel ao original
MARKETING. De SCANNER e SAMPLER acho natural que derivem os verbos
ESCANNEAR e SAMPLEAR. Até de XEROX acceito XEROCAR, mais como um
colloquialismo, uma vez que ficaria extranhissimo usar XEROXAR. Em
geral, evito mexer nos infixos ou "miolos" dos anglicismos, liberando o
emprego apportuguezado dos suffixos typo "AR", "EIRO" ou "ISTA". Assim,
grapho normalmente termos como:


ATTACHAR [ATTACH+AR], que tem optima opção vernacula em ANNEXAR
BULLYINGAR [BULLYING+AR]
CHECKAR [CHECK+AR], ja popularizado tambem como CHECAR
CLICKAR [CLICK+AR], ja popularizado tambem como CLICAR
COPYDESKAR [COPYDESK+AR]
CUSTOMIZAR [CUSTOM+(IZ)AR]
DRIBBLAR [DRIBBL(E)+AR]
HACKEAR [HACKE(R)+AR]
PLUGAR [PLUG+AR]
PRINTAR [PRINT+AR]
TWITAR [TWIT+AR]
ZAPEAR [ZAP+(E)AR]
BASKETEIRO [BASKET+EIRO]
BLOGUEIRO [BLOG+(U)EIRO] em vez de BLOGGUEIRO
DOGUEIRO [(HOT)DOG+(U)EIRO]
DOLLEIRO [DOLL(AR)+EIRO]
FUNKEIRO [FUNK+EIRO]
TWITEIRO [TWIT+EIRO], em vez de TWITTEIRO (de TWITTER)
BONDAGISTA [BONDAG(E)+ISTA]
GOLFISTA [GOLF+ISTA]
JAZZISTA [JAZZ+ISTA]
SKATISTA [SKAT(E)+ISTA]
SURFISTA [SURF+ISTA]
TENNISTA [TENNIS+(IS)TA]


Para illustrar o assumpto, transcrevo entre chaves o topico respectivo
no MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de Julio Nogueira, lembrando que, na
decada de 1920, muitos termos hoje totalmente apportuguezados ainda eram
novidade, emquanto os termos mais technologicos actuaes nem existiam ou
siquer tinham uso corrente. Nogueira basicamente reaffirma a tendencia
mais generalizada de admittir os anglicismos quando não haja exacta
equivalencia no vocabulario vernaculo. Nessa linha, concordo que é mais
razoavel preservar a forma original do que "forçar a barra" em
apportuguezamentos imitativos apenas da pronuncia, como DESAINE ou
DAULOUDE em logar de DESIGN ou DOWNLOAD.


{É impossivel estabelescer um criterio uniforme no tractamento das
palavras extranhas à lingua e que nella se fixaram. O caturrismo
implacavel mas innocuo de certos professores ou suppostos arbitros da
lingua tem querido vestir estas palavras de roupagens vernaculas,
affeiçoando-as systematicamente aos moldes e ao genio da lingua
portugueza. Esse proposito de nacionalização não medra e os emprestimos
das linguas extrangeiras continuam a seguir vario destino, ora
adjeitando-se a nossa phonologia, e representação graphica, ora
conservando-se intactos no seu aspecto nativo. Um observador imparcial
desse phenomeno reconhescerá nelle as mesmas duplicidades, as mesmas
incoherencias de outros phenomenos da linguagem e um codigo sensato não
pode ter outro intuito sinão registrar os factos, submisso às injuncções
populares e às correntes vencedoras, que tudo suffocam e submettem. O
futuro codigo orthographico da lingua tem, pois, de considerar duas
classes de palavras extrangeiras: [I] a constituida pelas que conservam
a sua morphologia intacta e pronunciamos ou tentamos pronunciar como nas
linguas de origem, taes sejam: AVALANCHE, BEEF-STEAK, BILL, BONNET,
BOUQUET, BOX, BREAK, BULL-DOG, CHAMPAGNE, CHAUFFEUR, CLOWN, CLUB, COKE,
CRAYON, CROQUETTE, CRUP, CUTTER, DOLLAR, ÉLITE, ENVELOPPE, FOOT-BALL,
GIM, GRENAT, GROG, GROOM, HIGH-LIFE, KIRSCHE, LAVABO, LUNCH, MADAME,
MARQUISE, MASSACRE, MATINÉE, MAYONNAISE, MEETING, MÉNAGE, NICKEL,
NUANCE, PALETOT, PICK-POCKET, PIC-NIC, ROBE, ROAST-BEEF, REPORTER, RHUM,
SCOUT, SOIRÉE, SPLEEN, SPORT, STEAPLE-CHASE, THALER, THALWEG, TOAST,
TOILETTE, TOURNÉE, TUNNEL, TURF, WHISKY. [II] a das palavras que
soffreram modificações mais ou menos profundas na sua morphologia e que
pronunciamos com variantes prosodicas mais ou menos appreciaveis, taes
como: BAIONNETA, BEBÊ, CHEQUE, CROQUE, DIQUE, DUCHA, ECLUSA, ETAPA,
FELDSPATHO, PUDDIM, QUARTZO, REDINGOTE, RICOCHETE, SUTACHE, TRENÓ,
TURISTA, VAGÃO, VALSA, VINHETA, ZUAVO. Em que pese aos irreductiveis
puristas, que num trabalho vão, tentam embargar-lhes o passo ou propõem
substituições artificiaes e inviaveis, esses emprestimos representam
contribuição appreciavel da linguagem portugueza. É preciso, pois, saber
qual deve ser a sua graphia, sejam adaptações, sejam formas puras de
idiomas extrangeiros. No glossario com que rematamos o presente ensaio
orthographico nada mais fazemos do que registrar essas palavras na sua
forma definitiva e mais generalizada. Incluimos apenas os
extrangeirismos com que ja nos achamos familiarizados, os de uso
incontestavel e que ja se tornaram, por assim dizer, necessarios aos
nossos habitos.}


Observo que o glossario a que Nogueira allude é o que consta de seu
MANUAL e não corresponde necessariamente ao criterio que adopto ao
verbetar alguns extrangeirismos em meu proprio diccionario.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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sábado, 5 de março de 2016

MARÇO/2016: AI, MEU PAE, POUPAE-ME DE TAES AIS!



Antes de entrar no thema deste mez, quero registrar o commentario do
leitor que se assigna Jack Pino: "Meu Deus... Este blog é maravilhoso...
Eu amo a velha orthographia! Doravante tentarei dominal-a e
apprendel-a!" Só posso estimular o Jack a entrar de sola nesse terreno,
que é vasto mas fascinante. Suggiro a leitura da parte theorica do
diccionario disponivel no link que vae no final desta postagem.


Outro attento leitor deste bloguinho de notas questiona-me accerca do
diphthongo "AE". Elle quer entender por que era com "E" na orthographia
tradicional e por que ficou com "I" na actual graphia, como nos pluraes
de singulares terminados em "AL" ou em flexões verbaes typo GRAPHAE,
FALLAE, CAE e SAE.


Então vamos la. Primeiro transcrevo o que diz Julio Nogueira, em seu
MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO, sobre as trez formas de representar o
diphthongo ("AE", "AI" e "AY"), depois commento.


{Na segunda pessoa do plural do imperativo dos verbos da primeira
conjugação latina, cahindo o "T", formou-se normalmente o diphthongo
"AE", que persistiu: AMATE - AMAE, LAUDATE - LOUVAE. Nas formas dos
verbos CAHIR, SAHIR, ATTRAHIR, CONTRAHIR escreve-se o diphthongo final
"AE": CAE, SAE, ATTRAE, em opposição a outras em que o diphthongo não é
final: CAIAM, SAIA, ATTRAIAS, CONTRAIAM. Tenha-se como preceito de cunho
practico que se escreve "AE" no plural das palavras que no singular
terminam em "AL": SAES, REAES, ANIMAES, LARANJAES, TAES, LEGAES,
NATURAES, etc. Escreve-se ainda esse diphthongo nas palavras PAE e CAES
(substantivos). [...] Na segunda pessoa do plural do presente do
indicativo dos verbos da primeira conjugação muitos escrevem "AI", como
nas formas: AMAIS, CANTAIS, LOUVAIS. Essa graphia tem a virtude de
evitar certas homographias: LEAIS (verbo) [sic]; LEAES (plural de LEAL),
ANIMAIS (verbo); ANIMAES (plural de ANIMAL). Ha, porem, indecisão,
preferindo alguns escrever AMAES, LOUVAES, VAES. O fundamento que
appresentam para isso é que estas formas em "AES" não proveem
directamente das formas latinas em "ATIS", sinão das do portuguez
anteclassico em "ADES": AMADES, LOUVADES, nas quaes a queda do "D"
determinou o encontro "AE" e não "AI". Esse respeito à graphia classica
não se explica, uma vez que as demais alterações operadas pela
disciplina grammatical, são geralmente acceitas. Cahindo o "D" de
AMADES, VEJADES, etc. o "E" podia egualmente ser transformado em "I" na
graphia, como o foi na pronuncia. Os que preferem AMAES devem escrever
tambem SOES (SODES) e não SOIS. As formas anteclassicas passaram por
alterações mais profundas que a simples graphia. Vemos o "I" intervir
para evitar o hiato: SABEDE - SABEE - SABEI. Como recusar que elle
reapparesça, não tanto por amor da etymologia, que pouco importa [sic],
mas como uma generalização de todo poncto razoavel? A verdade, porem, é
que uma grande corrente prefere o diphthongo "AE". Na segunda pessoa do
plural do presente do subjunctivo dos verbos da segunda, terceira e
quarta conjugação latina da queda do "T" resultou egualmente o
diphthongo "AI": DEBEATIS - DEVAIS, LEGATIS - LEAIS [sic], VESTIATIS -
VISTAIS. Da queda do "D" intervocalico resultou ainda o diphthongo "AI"
em VAIS, VAI, (VADIS, VADIT) e da do "G" em MAIS (MAGIS). Em casos de
attracção do "I" forma-se naturalmente o diphthongo: RABIA - RAIVA,
RADIU - RAIO, APIU - AIPO, FACIA - FAIXA. O diphthongo "AI" resulta
ainda do allongamento compensatorio do "A": CAIXA, de CAPSA, onde a
queda do "P" que com o "S" transcrevia a duplice grega PSI determinou o
phenomeno de diphthongação. Escreve-se "AI" em palavras provenientes da
lingua indigena: AIPIM, CAIPORA, CAITETU. "AI" é a escripta normal de
formas verbaes, quando o diphthongo não é final. Assim: SAIAM, CAHIAS
etc. Tenha-se como orientação de cunho practico que no inicio ou syllaba
media da palavra se escreve "AI" e não "AE": ALFAIATE, AIA, AIROSO,
FAIA, BAILE, etc. [...] O desuso em que vae cahindo o "Y" como
subjunctiva tende a transformar a representação "AY" em "AI", ainda
quando o "Y" seja etymologico: BAIONETA (de BAYONNE). Ja o francez
representa o duplo "I" desta palavra por um "I": BAIONNETTE. O "Y"
subsiste como final do triphthongo "UAY" em palavras americanas: GUAYACA
(do quichua), PARAGUAY, URUGUAY, URUGUAYANA, JACEGUAY.}


Do meu poncto de vista a questão é elementar: si a finalidade da
orthographia não é (nem deve ser) macaquear a pronuncia, e si o proprio
Nogueira reconhesce que a subjunctiva em "E" vem da matriz latina na
maioria dos casos, não ha por que admittir excepções quando a desinencia
verbal venha de "ATIS" quando não de "ATE", até por causa da desinencia
anteclassica "ADES". Um dos exemplos dados por elle nem se justifica,
pois do verbo LER vem LEIAES e não LEAES, que só vale como plural de
LEAL. Addemais, a homographia não é algo tão determinante que exija
qualquer "virtude" para ser evitada. Mais importante é evitar a confusão
graphica que se estabelesceria caso mixturassemos as vogaes subjunctivas
"E", "I" e "Y", inclusive porque não faria sentido escrever AYPIM ou
CAYPORA com "I" ao lado de GUAYCURU ou JACEGUAY com "Y". Tudo se resume
neste poncto: si acceitassemos que uma "tendencia" a substituir o "E"
pelo "I" influisse na escripta, estariamos abrindo mão da forma
tradicional em favor da reformada pelos phoneticistas, o que não
admitto. Si admittisse, por coherencia eu teria que começar a escrever
BURRACHA, BUCETA, BUTÃO, CULHÃO, FUDIDO, FUGÃO, TUMATE, BIXIGA, DILICIA,
PINICO, PIRIQUITO, PIRU, VIADO, formas colloquiaes só acceitaveis quando
figurassem num texto imitativo da falla popular, e mesmo assim entre
nordestinos e cariocas, por exemplo, mas não entre paulistas e gauchos.
Orthographia existe para padronizar a escripta do idioma e para
preservar-lhe a integridade ao longo da historia, não para tentar
accommodar a escripta aos regionalismos dialectaes, variaveis no espaço
e no tempo. Emfim, o "amor à etymologia" não importa tão pouco quanto
allegou Nogueira, elle proprio defensor da tradição mas hesitante quando
fazia concessões a alguma "tendencia" simplificadora.


Desconsideremos, pois, os ponctos vacillantes da explanação de Nogueira
e fiquemos com o grammatico Eduardo Carlos Pereira, que só admittia, nos
finaes de palavras, a subjunctiva com "I" em rarissimas excepções, como
a interjeição AI! e os extrangeirismos SINAI, SHANGHAI ou HAIKAI.
Sejamos, em summa, minimamente rigorosos.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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sábado, 30 de janeiro de 2016

FEVEREIRO/2016: ORTHOGRAPHIA QUANTICA


Uma attenta consulente deste blog de notas me questiona sobre um poncto
que nunca é demais repassar. Diz ella: "Glauco, volta e meia você se
refere a um graphema, mas a definição de graphema que encontro nos
diccionarios não me satisfaz. Pode esclarescer?"


Então vamos la. Defino graphema como um morphema padronizavel de accordo
com o systema orthographico que adoptamos. Exemplificando, temos dois
morphemas (um latino e um grego) para representar a mesma idéa: SCRIP e
GRAPH, compostos de cinco phonemas, ou, em portuguez claro, duas
palavras nucleares, ambas compostas de cinco lettras. Pois bem: cada um
desses morphemas será um graphema na medida em que mantemos ou alteramos
o "P" e o "PH", respectivamente. Assim, si adoptarmos o systema
phonetico, os graphemas serão SCRI e GRAF, com quattro lettras; si
adoptarmos o systema etymologico, os graphemas serão SCRIP e GRAPH, com
cinco lettras. Fica evidente que o graphema funcciona como um modello ou
paradigma applicavel a quaesquer vocabulos da mesma familia: pelo
systema phonetico, "eSCRItura", "manuSCRIto", "inSCRIção",
"esferoGRÁFica", "fotóGRAFo", "GRAFoscopia"; pelo systema etymologico,
"eSCRIPtura", "manuSCRIPto", "inSCRIPção", "espheroGRAPHica",
"photoGRAPHo", "GRAPHoscopia". Notem como o graphema, que gryphei em
caixa alta, tem posição variavel mas forma invariavel em cada
composição. Isto quer dizer que um graphema pode ser prefixo, infixo ou
suffixo, conforme o caso. Assim, "HYPO", "PREHEN" e "DELLA" são
graphemas etymologicos, respectivamente, nas palavras HYPOTHESE,
COMPREHENSÃO e PISCADELLA. Ficou claro? Pois é, às vezes os diccionarios
dão apenas uma accepção ao verbetar certos termos. No caso, alludem a
uma unidade de escripta, que pode ser uma lettra ou uma figura symbolica
(ideogramma), mas se esquecem de que a tal "unidade" pode ser composta
de duas (digramma), trez (trigramma) ou mais lettras, como nos exemplos
que accabamos de examinar.


Ainda a proposito de criterios particulares para quantificar e
qualificar casos de lettras a mais ou a menos, recebi de outro
consulente a seguinte questão: "Glauco, si você escreve CANNELLA com
duplo "N" e duplo "L" e CANNETA com "T" simples, por que recommenda
SONNETTO como QUARTETTO ou TERCETTO? Não seria o caso de padronizar as
desinencias ETTA/ETTO?"


Respondo que são coisas differentes. Como ja expliquei, o graphema
"ETTA/ETTO" só occorre em casos analogos a termos appropriados do
italiano, como LAMBRETTA, VENDETTA, CORETTO e LIBRETTO. Ja o graphema
"ELLA" é bem mais generalizado, pois deriva directamente do latim, como
em CIDADELLA e PARCELLA. A forma masculina "ELLO" é menos frequente mas
tambem occorre, como em CABELLO ou PELLO.


Na mesma linha, pergunta outro leitor: "Glauco, por que você acceita
TORNOZELO com um só L mas recommenda COTOVELLO com dois? Nenhuma dessas
palavras veiu prompta do latim. Por que não uniformizar-lhes a graphia?"


Respondo que em alguns casos sigo a praxe consuetudinaria por pura
inercia. Todos os diccionarios registravam COTOVELLO com "L" duplo mas
simplificavam o "L" de TORNOZELO, talvez devido ao latinismo da primeira
(CUBITUS/CUBITELLUS) e ao hellenismo da segunda (TORNOS+OZOS),
theoricamente insufficiente para explicar a desinencia latina "ELLO".
Por analogia, poderiamos admittir o graphema "ELLO" para ambas, sem
grande violencia contra a tradição vernacula, como no caso de CABELLO e
PELLO (respectivamente, CAPILLUS e PILUS, mas tambem PILLUS); acho,
porem, que a materia deve ficar a criterio de cada escriptor.


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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sábado, 9 de janeiro de 2016

JANEIRO/2016: SINGELLAS QUERELLAS


Questão relativamente simples occorre-me trazer à pauta deste blog de
notas, por compta de algumas duvidas levantadas pelos mais pingados dos
quattro internautas que me consultam. Embora seja poncto pacifico que o
suffixo latino "ELLA" tem funcção diminutiva em casos como CIDADELLA,
TABELLA, CANNELLA ou RODELLA, o systema mixto não extendia tal conceito
às desinencias verbaes "ADELLA" e "IDELLA", tractadas pelos grammaticos
e lexicographos como meros graphemas substantivados, compostos de
participios aos quaes se pospunha um suffixo dicto vernaculo, "ELA", sem
geminação do "L". Assim, de verbos como APPALPAR, ESCARRAR, ESPIAR,
OLHAR, LAMBER, MORDER, CUSPIR ou SACUDIR derivariam substantivos como
APPALPADELA, ESCARRADELA, ESPIADELA, e assim por deante.

Ora, está claro que cada um desses substantivos é forma alternativa do
respectivo diminutivo, a saber, APPALPADINHA, de APPALPADA;
ESCARRADINHA, de ESCARRADA; ESPIADINHA, de ESPIADA, donde a perfeita
applicabilidade do suffixo latino "ELLA" addeante mencionado. Temos,
portanto, como formas absolutamente legitimas as dos substantivos
APPALPADELLA, ESCARRADELLA, ESPIADELLA, etc. extensivos a todos os casos
analogos. Ja tractei de verbetar, no DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO, os
exemplos mais usuaes ou utilizaveis.

Cumpre a nós, etymologistas, attentar para quaesquer manobras
simplificadoras dos phoneticistas que, sempre obcecados pela graphia
reformada, escamoteiam os vinculos mais tradicionaes sob o pretexto de
que taes ou quaes vocabulos se teriam formado ja no portuguez e por isso
dispensariam pospositivos latinos na composição de seus derivados. Faço
questão de conclamar os collegas de lucta philologica em torno desse
poncto que, si para quem practicava o systema mixto prequarentista era
irrelevante, para nosoutros é cavallo de battalha.

Outra questão simples é o suffixo "ETTO" em palavras de origem italiana,
quando confrontado com seu homophono vernaculo "ETO", que tem funcção
tambem diminutiva, a exemplo do supracitado "ELLA". Vocabulos como
CORETTO, QUARTETTO, TERCETTO, DUETTO ou LIBRETTO são inquestionaveis,
bem como aquelles em que não occorre o duplo "T", como FOLHETO,
PAMPHLETO, POEMETO, CARRETO, GRAVETO ou CHLORETO. Só me chegam duvidas
quanto a dois casos: QUINCTETTO e SONNETTO. No primeiro, cabe o
hybridismo entre o latim QUINCTUS e o suffixo italiano, ja que o
graphema comparesce em QUINCTILHA, QUINCTESSENCIA, QUINCTUPLO ou
QUINCTANNISTA e seria incoherente supprimir o "C" apenas em QUINTETTO.
No segundo, ao contrario do que suppuzeram alguns, não practico o
hybridismo entre o italiano SONETTO e o inglez SONNET. Succede que o
proprio italiano, onde a palavra foi cunhada, tem a forma antiga
SONNETTO, que perdeu um "N" e, ja no portuguez, foi simplificada como
SONETO pelo nosso systema mixto. Pessoalmente não fiz questão de evitar
tal forma por volta de 1999, quando comecei a compor copiosamente nesse
molde, mas hoje penso que seja acconselhavel restaurar ambas as
geminações, do "N" e do "T", para manter a coherencia com QUARTETTO e
TERCETTO, sem destoar da forma ingleza SONNET.

Para finalizar por este mez, transcrevo um trecho da mensagem enviada
pelo mesmo Felippe que ja me entrevistou neste blog de notas. Em
seguida, passo a responder.

{A duvida que me veiu é a seguinte: Percebemos que o digrapho "CH",
então, recebeu em nossa lingua os valores phoneticos da guttural surda
"K" e da sibilante palatizada surda "X", como em "CHALÉ" ou "CHICARA";
logo, seria errado attribuir a elle, o digrapho "CH", outro valor
phonetico que não permanesceu em nossa lingua pela tradição, no intuito
de tornar algumas outras palavras mais "latinizadas", como em
"CHIRURGIA" e "ARCHEBISPO"? Ou seja, seria errado darmos ao digrapho
"CH" o valor de "S", como em "SAPO"? Apoz ponderar, cheguei á conclusão
que sim! Seria errado attribuir um valor phonetico que não nos foi
legado pela tradição... Porem, ao analysar o DICCIONARIO DA LINGUA
PORTUGUEZA de MORAES SILVA, de 1789, vejo que la foi registrada a forma
"CHIRURGIA" como synonymo de "CIRURGIA"! Não sei si essa palavra foi
registrada assim por outros lexicographos pois meu conhescimento é
escasso, mas, com base neste diccionario em especifico, não teriamos
respaldo para então attribuir ao "CH" tambem o som de "S" e graphar
"ARCHEBISPO" e "CHIRURGIA", com seus respectivos derivados? Claro que o
dicto DICCIONARIO data de 1789, mas isso seria um empecilho?}

Minha resposta: Sim, seria um empecilho, não pela data, mas pela idéa de
que Moraes haja verbetado ambas as formas para acceitar a pronuncia
sibilante do digramma "CH". O que Moraes fez foi acceitar algo que, em
nossos tempos de phoneticismo, seria equivalente a registrar "CIRURGIA"
ao lado de "QUIRURGIA" para validar ambas. Ora, sabemos que hoje ninguem
usaria "QUIRURGIA" (ainda que se use "QUIROPRAXIA" para CHIROPRAXIA), de
modo que restaria apenas a forma usual, "CIRURGIA", entre as poucas
excepções à escripta etymologica e à pronuncia guttural do digramma
grego "CH". Em tempo: digo "digramma" e não "digrapho", que é outra
coisa. (Digraphia significa duas formas para a mesma palavra, como CYSTO
e KYSTO ou MYRTA e MURTA) Antes de proseguir, transcrevo um paragrapho
do MANUAL ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de auctoria do philologo Julio
Nogueira, que data da decada de 1920. Depois concluo o meu commentario.

{Por vezes uma alteração prosodica determinou a perda do "H". A
influencia do "E" e do "I" posteriores ao "C" fez-se sentir, apesar da
intercorrencia do "H", em ARCEBISPO, ARCEBISPADO, ARCEDIAGO,
ARCEDIAGADO, ARCIPRESTE, ARCIPRESTADO. Reapparesce o "H" e, com elle, o
som guttural na formação erudita - ARCHIEPISCOPAL. Foi ainda a mesma
influencia que transformou a prosodia e a escripta de CHIRURGIA em
CIRURGIA (CIRURGIÃO, CIRURGICO). A explicação é que estas palavras se
vulgarizaram ao passo que as demais, pela sua applicação erudita,
estiveram fora do alcance dessa chymica popular da linguagem. Outro
exemplo se encontra em CATECHISMO, que se pronunciava dando ao "CH"
correspondente ao chi o valor de "KÊ", ainda conservado em CATECHESE,
CATECHIZAR. Mas a acção popular reduziu o "KÊ" para "CÊ" e da pronuncia
CATECISMO resultou essa graphia. Cabe ainda mencionar a graphia
BATRACIOS, indicadora de uma prosodia diversa da rigorosamente
etymologica: BATRACHIOS.}

Concluindo, meu attento Felippe, embora eu não seja enthusiasta das
influencias prosodicas na orthographia, devo acceitar taes excepções
como aquillo que de facto são: excepções, portanto raras e plausiveis.
Assim, você accertou ao suppor que seria absurdo extender a graphia "CH"
a taes casos, si a pronuncia a distorceu. Para mim, um dilemma ainda
maior que a digraphia entre CIRURGIA e CHIRURGIA é a homographia entre
CHORO (canto) e CHORO (pranto), que, para peorar, não resulta em
homophonia! Isso levou à acceitação da excepção CORO para a primeira
forma, mas cheguei a propor, radicalmente, a forma KHORO para
differenciar de CHORO, como ja commentei neste blog. Affinal, temos
outros casos de hellenismos graphados com "K", como KALEIDOSCOPIO, KOSMO
ou KYSTO, é ou não é? Continue levantando essas lebres, Felippe, para
que possamos mactar varios coelhos com uma cajadada!

Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.

https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0

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