sexta-feira, 28 de outubro de 2016

NOVEMBRO/2016: PÁO COMBINA COM BOCETA?


Nós, etymologistas, somos como os monarchistas: poucos mas mais
realistas que o rei. Tão zelosos que nada deixamos excappar. Assim são
os seguidores deste bloguinho de notas. Pegam no meu pé emquanto não os
convenço de que as convenções que adopto, quando não estão embasadas na
pura etymologia, baseiam-se no factor consuetudinario (a forma historica
mais arraigada) ou, em ultima analyse, numa questão de coherencia,
sempre visando fixar os graphemas menos simplificados, em funcção duma
esthetica classicizante e (Por que não?) sophisticada.


Este preambulo vem a proposito da questão levantada por um leitor nos
seguintes termos: ja que recommendo, em muitos casos que o systema mixto
tornava indecisos, a preferencia pela vogal "O" em detrimento do "U",
como em BOCETA ou MOLEQUE, qual a razão pela qual prefiro PAU, MAU e
NICOLAU às formas terminadas em "ÁO" (PÁO, MÁO e NICOLÁO)? "Não seria
incoherente?", pergunta o leitor.


Minha resposta é que, entre duas incoherencias, excolho aquella que
causa effeitos menos damnosos ao conjuncto da obra, ou ao universo
lexico. Primeiramente, cabe lembrar que nem sempre a opção pelo "O"
tinha fundamentação etymologica. A palavra LOGAR, por exemplo, guardava
coherencia com LOCAL, do latim LOCALIS. Entretanto, BOCETA vem de
BUXIS/BUXIDIS e MOLEQUE do africano MULEKE, ou seja, às vezes a opção
pelo "O" seria uma tradição crystallizada no proprio portuguez. Isso não
tira a legitimidade de BOCETA ou MOLEQUE, pois, como accabei de allegar,
o factor consuetudinario pesa tanto quanto a authenticidade etymologica.


No caso de PAU, MAU ou NICOLAU (latim PALUS, MALUS e NICOLAUS,
respectivamente), a tendencia mais correcta seria graphar mesmo com "U".
Assim faço eu, mas deixo a criterio de cada um optar pelas formas PÁO,
MÁO e NICOLÁO, ja que a tradição vem legitimar ambas as excolhas. Minha
coherencia, no caso, é com um principio que chamo da "minima
accentuação", pelo qual dispenso um agudo, um circumflexo, um til ou uma
cedilha sempre que posso, como em LUIZ (em logar de LUÍS), PORTUGUEZ (em
logar de PORTUGUÊS) MAÇAN (em logar de MAÇÃ) ou SUISSA (em logar de
SUÍÇA), donde a conveniencia de graphar PAU em logar de PÁO. Mas ha
ainda outra conveniencia, bem mais practica, principalmente em tempos de
digitação informatizada: o emprego do "U" evita confusões entre o agudo
e o til em palavras como PÃO, MÃO, NÃO, BABÃO etc. em relação a PÁO,
MÁO, NÁO e BABÁO.


Não fica nisso a minha coherencia. Si eu preferisse o graphema "ÁO" ao
"AU", teria de preferir "ÉO" a "ÉU" e escreveria CHAPÉO e CÉO em vez de
CHAPÉU e CÉU. Sim, haveria tradição para me fundamentar, mas, nesse
caso, eu teria de escrever EUROPÊO e LYCÊO quando o som do "E" fosse
fechado. Tambem haveria alguma fundamentação historica para tal, mas,
convenhamos, seria uma plethora de agudos e circumflexos perfeitamente
dispensaveis, não acham? Si um dos maiores problemas da orthographia
reformada é a quantidade de accentos, não precisamos arrhumar tal
problema tambem na orthographia preservada, é ou não é?


A esse respeito, illustro meu commentario com um trecho do MANUAL
ORTHOGRAPHICO BRAZILEIRO de Julio Nogueira:


{O nosso Lyceu de Artes e Officios e o Syllogeu são, pelo menos nas suas
fachadas, LYCÊO e SYLLOGÊO, graphias pouco acceitaveis, não só do poncto
de vista practico como do scientifico. A palavra SYLLOGEU, formada de
elementos gregos pelo Dr. Ramiz Galvão (1904) assim se acha escripta no
seu "Vocabulario" e significa "a casa onde se reunem associações
litterarias e scientificas".}


Apesar de desrecommendar o graphema "ÊO", porem, Nogueira recommenda
"ÉO" em caso da vogal aberta, como em CÉO, CHAPÉO, VÉO, TROPHÉO,
ESCARCÉO, BORNÉO, MAUSOLÉO, BORDÉOS, MONTEVIDÉO. Por isso não fecho
questão, adoptando CHAPÉU mas admittindo CHAPÉO caso a cabeça não seja a
minha, que, aliaz, usa bonné.


Ainda a proposito do termo PAU no sentido phallico e de seu equivalente
feminino BOCETA, nunca é tarde para registrar que o substantivo ROLLA
(que, como synonymo de POMBA, suggeriria a vagina e não o penis)
deveria, por força do factor historico, levar "L" duplicado, até porque
seu formato ROLLIÇO remette ao masculino ROLLO que, como ROL, vem do
latim ROLLUS que, por sua vez, vem de ROTULUS. Dahi que, mesmo sendo
forma corrente no systema mixto, o verbo ROLLAR com um só "L" passou
pela minha tardia correcção, bem como seus correlatos ENROLLAR e
DESENROLLAR, ao lado de ROLLETA, ROLLINHO, ROLLÊ, ROLLEZINHO, ROLLANTE,
etc. Em summa, a todo momento estamos deante de formas apparentemente
simples que, si cuidadosamente pesquisadas, appresentam algo mais
complexo, a despeito da ommissão dos diccionarios, que tendem a
registrar apenas ROTULUS como etymologia de ROLLO, induzindo o
consulente a acceitar as formas simplificadas "ROLO" e "ROLA".


Aos interessados deixo o link para um menu na nuvem donde podem baixar
os archivos do DICCIONARIO ORTHOGRAPHICO e de outras obras pertinentes.


https://www.dropbox.com/sh/m8jq3615v16g2zt/AACEKn9GzBQUpQmyutQU6Bnha?dl=0


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