Nunca me canso de dizer que a orthographia é o patrimonio ambiental da
falla. Por isso, a exemplo dos ecologistas que tanto battalham pelos
biomas e topomas do systema terraqueo, eu battalho pelo graphoma dos
graphemas e acho cada "PH", cada "Y", cada lettra dupla um monumento ou
especimen a ser preservado, tal como uma egreja barroca em Minas, um
sobrado em Salvador ou uma arara na matta tropical, equivalendo a uma
cathedral gothica ou uma arena romana na Europa. Mas ha casos em que,
mesmo mantendo a tradição escripta, temos de admittir que a graphia de
certas palavras é mais simples do que a physiognomia do morphema pode
suggerir. As perguntas de alguns consulentes evidenciam essa apparente
"necessidade" de complexidade que, entretanto, não se verifica. Vejamos.
Um leitor questiona: si COMMISSÃO e COMMITTÊ levam geminações, por que
COMICHÃO, COMITIVA e COMICIO não levam?
Respondendo: o etymologismo verbal latino MITTERE é um dos mais
prolificos em derivações vernaculas, tanto no graphema METTER como no
graphema MITTIR. Assim, temos ADMITTIR e ADMISSÃO, COMMETTER e
COMMISSÃO, DEMITTIR e DEMISSÃO, EMITTIR e EMISSÃO, IMMITTIR e IMMISSÃO,
OMMITTIR e OMMISSÃO, PROMETTER, PROMISSÃO e PROMESSA, REMETTER, REMISSÃO e REMESSA, SUBMETTER e SUBMISSÃO ou TRANSMITTIR e TRANSMISSÃO. A palavra COMMITTÊ tambem tem essa origem. Ja COMICHÃO vem de COMESTIONE (segundo o Aurelio), emquanto o Aulete e o Lello esclarescem que deriva simplesmente do verbo COMER, como COMEÇÃO ou COMILANÇA. Quanto a COMITIVA, vem assim do latim (de COMES/COMITIS) e COMICIO do latim COMITIUM. Nesses casos, só nos resta memorizar cada uma para evitar confusões, particularmente no caso politico dum committê que organiza um
comicio ou duma commissão parlamentar que investiga os gastos de alguma comitiva...
Outro questiona: si HYSTERIA, AMPHITRYÃO e HYPERTENSÃO levam "Y", por
que HISTRIÃO e HIBERNAÇÃO não levam?
Respondendo: os exemplos com "Y" são hellenismos, excepto HYPERTENSÃO,
um hybridismo onde HYPER vem do grego. Ja HISTRIÃO vem do latim HISTRIO,
que tambem deu o adjectivo HISTRIONICUS, emquanto HIBERNAÇÃO vem de
HIBERNATIO, de HIBERNUM. Dahi o motivo pelo qual tambem HINVERNO deve
levar "H". Portanto, uma pessoa hysterica pode ser histrionica, mas não
em tudo.
Outro questiona: si SUMMA e SUMMULA, que envolvem a noção de synthese,
levam "M" geminado, por que a palavra RESUMO, de egual forma e sentido,
não leva?
Respondendo: SUMMA, SUMMULA, SUMMARIO chegam assim do latim e não cabe
contestação. Ja o graphema SUMIR (do latim SUMERE), que participa de
verbos como ASSUMIR, CONSUMIR e PRESUMIR, não se confunde com o primeiro
caso, lembrando que o verbo SUMIR, no sentido de desapparescer, tambem
vem de SUMERE. Parallelamente ao verbo CONSUMIR, é o verbo CONSUMMAR que
tem, este sim, a ver com SUMMA, pois envolve a idéa de algo accabado no
sentido de completo, emquanto CONSUMIR envolve a idéa de algo accabado
no sentido de esvaziado. Para exemplificar, posso dizer que, num
restaurante, eu CONSUMMO (satisfaço, realizo) meu prazer gastronomico
mas para isso CONSUMO (gasto, esbanjo) toda a minha grana, ou, por
outra, meu prazer se CONSUMMA mas CONSOME meus recursos. Paresce subtil,
mas são coisas do proprio latim.
Outro questiona: si BACCHANAL tem a ver com Baccho, o adjectivo BACANA
tambem não teria? E o adjectivo SAFADO, não teria a ver com SAPPHO?
Respondendo: segundo os etymologistas, BACANA é motivo de divergencias
entre o argentinismo hespanhol e o italianismo, mas teria a ver com
BACANO, possivelmente do italiano BACCANO, que teria a ver com
BACCHANTE. Logo, não seria exaggero affirmar que BACANA poderia ser
graphado como BACCHANA e que o escriptor decide. Quanto a SAFADO, do
verbo SAFAR(-SE), equivale ao participio SAFO, que tambem é objecto de
divergencia entre uma extranha origem arabe e uma ainda mais extranha,
ingleza: o adjectivo SAFE, no sentido de excappo ou a salvo. Ora, como a
noção de SAFADEZA equivale à de SACANAGEM, ha quem sustente que o
sentido de SAFO tem, sim, a ver com a poetiza grega SAPPHO, pelo facto
de ser lesbica e, na concepção vulgar, despudorada e pornographica. Dahi
se deprehende que graphar SAFADO como SAPPHADO não seria de todo
improprio, justamente pelo sentido improprio aos bons costumes... Mas
ainda ha quem diga que SAFADO vem de SAFARDANA ou SAPHARDAMNA, que por
sua vez viria duma mixtura das palavras SEPHARDITA e DAMNAR, mas,
descomptado o factor pejorativo e preconceituoso contra os judeus, tal
hypothese paresce um tanto forçada. Em todo caso, um "PH" nessa palavra
não pode ser deschartado como alternativa plausivel.
Por fim, outro questiona si o verbo AFOBAR não teria a ver com PHOBIA,
caso em que se escreveria com "PH".
Respondendo, consta dos diccionarios que AFOBAR tem "origem obscura",
expressão usada quando querem tirar o cu da recta, em bom portuguez.
Claro que ha explicações para qualquer vocabulo, ainda que
controvertidas. Uma dellas é que seria uma hyperthese de ABBOFAR, de
BOFE, suggerindo que a pessoa abbofada (ou esbofada, ou esbaforida)
estaria botando os bofes pela bocca, ou seja, appressando-se,
affligindo-se. Tambem as noções onomatopaicas de BAFO e de BUFAR podem
entrar nessas interpretações. Si prevalescesse a these de BOFAR com
troca de consoantes para FOBAR, é logico que o prefixo "AD", ao entrar
em scena, geraria o verbo AFFOBAR, com geminação do "F". Mas as
possiveis explicações não param por ahi. Tambem ja encontrei aquelloutra
de que alguem admedrontado ou appavorado poderia se appressar ou se
precipitar, dahi o sentido de PHOBIA associado à soffreguidão, caso em
que o prefixo latino "AD", assimilado pelo infixo grego PHOBO, geraria
um raro hybridismo em APPHOBAR, onde o "P" se geminaria, como o "C" em
ACCHATAR. Mas a decisão de acceitar tal hypothese fica a cargo do
orthographo, ou do ecorthographo, caso o subjeito se conscientize de que
o ambientalismo linguistico se extende aos mais exoticos especimens de
"PH" a serem preservados da extincção, ou do desuso.
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Para baixar e abrir o diccionario orthographico do auctor, accessem:
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